Alguns pensamentos são assustadores de tão óbvios. E nos levam a ver o mundo como um lugar muito pouco razoável. Um exemplo (óbvio): não se falaria tanto em ecologia, preservação, meio ambiente e etecetera se o homem agisse em harmonia e acordo com a Natureza, algo de que a nossa "civilização" (aqui entre grandes e reluzentes aspas) se afastou irracionalmente.

Também não se falaria de preconceito racial, social, sexual ou geográfico, se o homem tivesse a consciência (utópica, bíblica, cósmica) de que somos todos iguais. Mas aí o mundo seria perfeito, você deve estar resmungando. Não, respondo eu, escorado em duas vintenas de vida bem vividas e muita, muita antropologia de botequim.

A vida não seria fácil (muito menos perfeita) em contexto algum, por uma razão para lá de óbvia (e também assustadora) – a mente e a alma humanas (e agora os corpos também!) são demasiado complexos. "Onde há gente há encrenca", dizia alguém, Fernando Sabino talvez (já me falha a memória). Circunstâncias fazem diferença, óbvio.

Há delícias e dores distintas para quem mora em Blumenau ou no sertão da Bahia. Para quem nasceu numa aldeia suíça de poucos milhares de habitantes ou para quem vive numa cidade africana com milhões de pessoas, mas em tudo todos se assemelham em pelo menos um ponto. Há uma capacidade de sentir, pensar e agir que é comum a todos os humanos.

Em pelo menos uma vez em sua existência, o cidadão alemão de Düsseldorf, de carro novo e bem remunerado, com "consciência ecológica", sentirá, pensará ou agirá igual ao sujeito que vive na periferia do Recife, mal empregado, que volta do trabalho apertado num ônibus e joga lixo pela janela.

Porque há uma matéria única de que somos feitos que, mesmo recebendo a influência de um tanto inumerável de fatores (nem tão óbvios) que nos tornam diferentes – clima, cultura, meio social, genética, alimentação, criação familiar, escolhas pessoais, saúde, educação, geografia, humor dos santos e orixás e outras bossas imponderáveis -, faz convergirem todos os destinos humanos. Que bom seria se as "convergências" humanas se dessem no plano da nobreza. Mas não.

De volta ao começo, tudo o que eu queria dizer é que a humanidade não cansa de dar sinais de sua incrível boçalidade, infelizmente com muito mais frequência do que dá sinais de grandeza. Sem medo de errar (nem de dizer o óbvio nem de ser obviamente pessimista), digo que a estupidez é a maior grandeza de nosso tempo.

Réquiem para Michael

A propósito, impossível não falar algumas poucas linhas sobre a morte de Michael Jackson, assunto onipresente nestes dias que correm.

Jackson foi um artista genial e intenso, pioneiro, abridor de portas. Mas viveu uma vida triste, solitária e desgraçada. Que bom que sua alma pudesse repousar em paz ao lado das almas de outros gênios musicais (se é que repousam) – James Brown e Elvis no pelotão de frente -, mas seu post-mortem leva a crer que não terá descanso.

Zeca Baleiro é cantor é compositor