Durante cinco meses, o repórter Amaury Ribeiro Jr. mergulhou num período obscuro da história do Brasil, iniciado com o golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart no dia Primeiro de Abril de 1964. Na tentativa de iluminar os porões da ditadura, encontrou documentos, descobriu personagens e teve contato com homens que deveriam existir apenas na imaginação de novelistas. Gente (???) que não faria feio na corte de Adolf Hitler, como Félix Freire Dias, que sentia prazer em retalhar os corpos dos militantes de esquerda mortos sob tortura.

Que o autoritarismo militar produziu cenas de barbárie não é novidade. Mas quem viveu os “anos dourados” do regime de exceção não desconfiava que a tortura e a eliminação física de adversários eram política oficial do Estado, aprovada dentro do Palácio do Planalto por dois presidentes da República. Durante todos esses anos, os assassinatos foram encarados como fatos isolados, atribuídos aos excessos de alguns militares ou à necessidade de se acabar com lideranças expressivas da luta armada, como Carlos Marighella e Carlos Lamarca. O mérito de Amaury – um dos repórteres mais premiados do Brasil e autor da matéria mais importante de 2003 (O Caso Silveirinha) – é mostrar que antes da abertura política era necessário radicalizar: limpar a área. Eliminar todos que pudessem representar qualquer risco para os planos de distensão lenta, segura e gradual.

Das páginas de ISTOÉ, o general Ernesto Geisel sai chamuscado. Segundo vários documentos, o militar estadista, que pensou um projeto de país e enfrentava a linha dura em nome de princípios, tem as mãos mergulhadas numa banheira de sangue. As novas revelações ajudam a esclarecer a lógica da ditadura. As sístoles e as diástoles tinham manchas. Ao trazer à luz do sol homens como os coronéis José Brant Teixeira e Aldir Santos Maciel, encarregados da execução de dezenas de presos políticos, damos um grande passo para virar mais uma “página infeliz da nossa história”. Ao tirar os capuzes que cobriam a face dos hoje pacatos cidadãos de terceira idade, o Brasil pode acertar mais uma conta com o seu passado e somar energias para olhar para o seu futuro. É óbvio que não há discussão sobre a Lei da Anistia, que sepultou os crimes de sangue para permitir a pacificação nacional e a democratização, mas uma nação deve expiar suas dores para que certas tragédias não se repitam. Nunca mais.