Há meses a equipe econômica tenta lidar com a crise sem fim, a ausência de reformas e a paralisia nas privatizações. Os dados sobre a vendas do varejo em dezembro, que levaram um tombo de 6,1%, contribuíram para diminuir o otimismo. Para o governo Bolsonaro, sinalizar ao mercado que a agenda de reformas ainda está de pé era fundamental. Por isso, até o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entrou há meses no corpo a corpo com parlamentares para destravar uma proposta modernizante que era debatida desde os anos 1990: a autonomia do Banco Central, que liberaria a instituição da interferência política. A aprovação da norma na Câmara na quarta-feira, 10, por 339 votos a 114, foi a primeira conduzida por Arthur Lira (PP-AL) desde sua vitória na eleição para a presidência da Câmara. É um resultado forte, mas num tema que já não despertava muita oposição.

A medida é discutida em Brasília há pelo menos 30 anos. O projeto de lei complementar de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), aprovado no Senado em novembro do ano passado, foi votado na Câmara com relatoria do deputado pernambucano Silvio Costa Filho (Republicanos). A proposta fazia parte da lista de 35 prioridades enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso. A autonomia do Banco Central vai mudar a situação da autoridade financeira. Os planos da instituição deixarão de estar atrelados ao Ministério da Economia e ao Palácio do Planalto, algo que é visto como positivo por analistas econômicos.

O tema virou prioridade para o governo Bolsonaro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente da Câmara e o presidente do Banco Central se reuniram para mostrar a união do governo em torno da proposta. Após o encontro, Guedes afirmou que a autonomia do órgão “é um sonho antigo” e que a medida “garante a estabilidade monetária” ao País. O deputado Costa Filho disse que o banco “não pode ficar à mercê do governo de plantão” e que a autarquia precisa praticar uma política de Estado, e não de governo. Para além da proposta votada no Senado, há um outro texto que já tramita na Câmara desde 2019. Os dois projetos de lei foram apensados em uma única matéria.

“Bolsonaro incentivou esse projeto no BC para não dialogar e, no futuro, tirar do colo a responsabilidade pela crise econômica” Cristina Helena Pinto De Mello, professora de economia da ESPM (Crédito:Marco Ankosqui)

“A autonomia vai melhorar a política econômica porque tira o poder do presidente da República e do ministro da Economia. Em diversos momentos, presidentes utilizaram o Banco Central em benefício do próprio governo e para ganhar popularidade, especialmente em períodos eleitorais. Isso não pode acontecer”, afirma Marcelo Kfoury Muinhos, coordenador do Centro Macro Brasil da EESP-FGV. Para Cristina Helena Pinto Mello, professora de economia da ESPM, o projeto é benéfico, mas poderia esperar um pouco. “Em tese, é algo positivo, porque acaba a pressão política. Ao mesmo tempo, nós vivemos um contexto no qual o governo precisa dar uma resposta à sociedade para que o País saia da crise. A pressão sobre a instituição é legítima nesse momento, porque é a única forma de conceber algum alívio à economia como um todo e gerar uma recuperação que beneficie a população.”

Mandatos de 4 anos

O presidente e oito diretores da instituição terão mandatos de quatro anos, sem coincidir com o mandato presidencial. Poderão ser reconduzidos apenas uma vez. A nomeação deles continua sendo do presidente da República, mas precisará ser avalizada pelos senadores. Será necessário o aval do Senado também para que o presidente do BC possa ser demitido, após a comprovação de eventuais irregularidades ou a pedido do próprio dirigente. Outra alteração diz respeito aos objetivos fundamentais do BC, que é responsável por conter a inflação regulando a taxa de juros básica e a quantia de dinheiro em circulação. A proposta aprovada determina que a instituição também precisará “fomentar o pleno emprego”, em atuação semelhante à desempenhada pelo banco central dos Estados Unidos, o Fed (Federal Reserve). Mas o “objetivo fundamental” continuará sendo a política monetária, com metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Críticos da proposta afirmam que dar autonomia ao BC pode significar um aumento na participação do mercado financeiro na gestão do órgão. Também dizem que pode haver um descompasso entre a política monetária e a política fiscal, que cuida da arrecadação e dos gastos do governo. Segundo Helena Pinto, as críticas são válidas. “Nos EUA, por exemplo, o Fed se somou ao Tesouro Nacional para oferecer soluções em meio à crise. No Brasil, a preocupação com a dívida pública exacerbada faz com que o BC deixe de fazer operações de resgate dos empresários e dos agricultores para ser um banco para os bancos em alguns momentos.” Para o economista da EESP-FGV, as críticas não se sustentam. “Isso não faz sentido. O objetivo do Banco Central é fazer com que a inflação fique baixa. Para mim, a autonomia é fundamental porque tira do presidente a possibilidade de, por exemplo, baixar a taxa de juros em ano eleitoral para se reeleger. Não se pode misturar as coisas.” Resta saber se na prática a instituição conseguirá manter de fato a independência. Nos EUA, ela não existe formalmente, mas o amadurecimento institucional a garante na prática. No Brasil, a criação das agências reguladoras nos anos 1990 também previa a autonomia para os dirigentes e o fim da ingerência. Na prática, os governantes de plantão, inclusive o atual, continuam interferindo e aparelhando os órgãos.