As acusações de que policiais federais mantiveram relações sexuais com uma prisioneira custodiada em sua carceragem saíram da vizinhança para dentro da cela da cantora Gloria Trevi. Em sua última edição, ISTOÉ mostrou cartas de José Carlos Carlini, preso numa cela vizinha à que foi ocupada por Gloria, relatando que era comum que policiais mantivessem relações sexuais com a bela mexicana. Ele deu dois nomes: os agentes Carlos José Santana e Marcos Edilson do Rego Bandeira, a quem chamou de “dupla de garanhões”. Gloria ficou 19 meses sob a guarda da PF e deixou aquela prisão grávida. Uma ex-colega de prisão, Roberta Aparecida Menuzzo, 34 anos – com quem a cantora dividiu a cela número 3 da carceragem da PF durante 66 dias –, revela agora a ISTOÉ que a presa mexicana tinha mesmo relações sexuais com policiais, inclusive com um delegado, na época um dos homens mais poderosos da Superintendência da PF em Brasília. “Ela me disse que estava tendo relações com o delegado. E eu sei que com o seu Bandeira também”, diz Roberta, apontando o mesmo “garanhão” Bandeira citado por Carlini. O agente Marcos Bandeira foi o chefe da carceragem da PF por sete anos.

O assédio do delegado à Gloria não foi apenas ouvido, mas também visto. No dia 25 de novembro do ano passado, quando foi transferida da Superintendência da PF para o presídio feminino da Colméia, Roberta diz ter visto uma cena que fala mais do que mil palavras. O preso Adail Pereira de Paula foi pegar os pertences de Roberta no depósito, a última sala de um conjunto de cubículos paralelo à carceragem. Quando a porta foi aberta, Roberta e Adail flagraram o delegado: “Vi a Gloria sentada no sofá, com a saia levantada até o meio da coxa e ele com a mão em cima da coxa dela”. Presa por tráfico de drogas e hoje respondendo a um processo em liberdade, Roberta esteve na mesma cela de Gloria e de sua secretária, Maria Raquenel Portillo. Gloria engravidou em maio deste ano, mas, segundo Roberta, no período em que esteve presa, entre 16 de setembro e 25 de novembro do ano passado, a mexicana já planejava a gravidez. Tanto que fez dois testes. Os resultados dos exames, conta ela, foram entregues pelos próprios carcereiros. Roberta relata que o jogo proposto pelos policiais era claro: criar dificuldades para vender facilidades. A permissão para visitas, o uso do telefone e do fax, o acesso ao pátio e o maior ou menor rigor nas revistas do que chegava às celas vinham em troca de favores sexuais. “Eu não quis aceitar: não vou transar com um policial pra poder usar o telefone ou pra poder passar fax”, diz Roberta.

Coação – Gloria, segundo ela, aceitou a coação. “Ela fez as coisas dela para ter sua liberdade ali dentro, que eu sei que foi fazer sexo, porque ela voltava e me dizia que tinha feito sexo. Eles queriam sexo, ela deu”, assegura. Roberta descarta uma versão quase tão estapafúrdia quanto a oficial, que concluiu por inseminação artificial: a de que Gloria teria sido estuprada dentro da carceragem, com as luzes apagadas para as câmeras não filmarem o rosto dos policiais. Segundo ela, a cantora era sempre tirada da cela e levada por um de seus carcereiros de plantão, inclusive de noite. Entre os agentes de quem se lembra estão Marcos Bandeira e Paulo César Amorim Porto. Ela também nega que Gloria pudesse ter relações sexuais com outros presos: “As presas ficavam trancadas numa cela quando os caras estavam soltos.” Roberta diz que ela mesma foi assediada por policiais logo depois de ser presa. Afirma que o agente Bruno D’Anaquim Cruz tentou violentá-la na manhã do dia 16 de setembro do ano passado, numa estrada na entrada de Brasília. “Ele pegou os meus seios, queria fazer sexo e eu reagi: não, não e não. Quer prender, tudo bem. Quer bater, tudo bem. Mas fazer sexo comigo, não”, reage. Roberta lançou em junho, apenas no México, o livro Tras las rejas com Gloria (Atrás das grades com Glória), onde contava um pouco de sua vida com a cantora atrás das grades e relatava uma história escabrosa, sobre um possível assassinato de uma filha de Gloria. Ela agora diz que quer ajudar a esclarecer a gravidez da cantora mexicana. Nem Roberta nem Maria Raquenel, que conviveram dia e noite com Gloria na carceragem, foram ouvidas pela sindicância da PF.

Os próprios advogados de Gloria, que tentam a todo custo colocar sua cliente em prisão domiciliar, mas que até o final da semana passada não tinham sido atendidos pela Justiça, elevaram o tom e passaram a carregar nas palavras: o sexo “não consensual” que levou Gloria a engravidar agora é chamado, sem meias palavras, de “estupro”. O advogado Otávio Bezerra Neves acredita que ela foi coagida. “Presa sob a custódia de policiais, a cantora sofreu um constrangimento, um assédio forte que a levou a ter relações sexuais contra sua vontade”, diz Otávio, que compara o caso a um abuso familiar. “É como a situação de uma filha molestada pelo pai.” Gloria Trevi não fala quem é o pai de seu filho, agora com sete meses, gerado nas dependências da Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Com seu silêncio, espera não ter problemas com a polícia brasileira. Ela foi transferida no dia 27 de setembro com seu empresário e sua secretária para o Presídio da Papuda e seus carcereiros agora são policiais civis. A mudança de uniformes não diminuiu o medo de Gloria.

O depoimento de Roberta desmoraliza de vez os resultados da sindicância 008 montada pelo delegado Francisco de Assis Sobrinho, que, segundo o diretor-geral da PF, Agílio Monteiro Filho, encerrava o caso. A tentativa da PF de explicar a gravidez de Gloria como o resultado de uma inseminação artificial, com o sêmen doado pelo assaltante Marcelo Boreli e inoculado com uma seringa, caiu no ridículo. Após ISTOÉ ter revelado as cartas do preso Carlini, o novo ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, mandou a PF reabrir a investigação. Também determinou a abertura de inquérito, procedimento que apura a prática de crime, dessa vez com o acompanhamento do Ministério Público e da OAB. O inquérito 065 será conduzido pelo delegado Cláudio Ferreira Gomes. “O caso não tira a credibilidade do Ministério”, acredita Aloysio Nunes Ferreira, chefe dos federais, que na quinta-feira 22 viu a sombra do caso Trevi tirar o brilho do lançamento da campanha nacional de combate à violência contra a mulher. A reviravolta no caso obrigou, ainda, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça a adiar a decisão sobre o pedido de refúgio de Gloria no Brasil.

Ameaças – Procurada em sua casa, no interior paulista, Roberta reafirmou tudo o que disse. ISTOÉ também procurou os policiais citados, mas só conseguiu falar com o delegado. “Estupro? Duvido”, disse ele, na manhã de quarta-feira 21, negando qualquer envolvimento com Gloria. O delegado procurou desqualificar o depoimento de Roberta, afirmando que ela é uma ex-presidiária. Foi lembrado que foi de outro preso, o assaltante Marcelo Boreli, que a PF tirou sua versão da inseminação artificial. O delegado também ameaçou a reportagem de ISTOÉ. Alertou que, se seu nome fosse citado, estaria criado um caso de “vida ou morte” e proibiu que fossem feitas fotos suas, dentro ou fora das instalações da PF. “Ando armado e posso confundir a câmera com uma arma e reagir”, avisou. Roberta disse que está disposta a confirmar tudo o que sabe na PF e no Ministério Público. Na carceragem, Gloria se recusou a dar entrevistas. Disse que estava com dores de cabeça, enjôo e sangramento. No início da tarde da sexta-feira 23, uma ambulância levou-a para fazer exames médicos, os primeiros desde que foi constatada a gravidez.

Mamãe Noel
O presidente da Federação Nacional dos Agentes da Polícia Federal, Francisco Garisto, tem sido alvo de gozação de policiais de outros países desde que a cúpula da PF decidiu acreditar que a gravidez de Gloria Trevi é fruto de uma inseminação artificial, feita com esperma fornecido pelo bandidão Marcelo Boreli. Seus colegas estrangeiros já lhe disseram que no Brasil os agentes federais acreditam em Papai Noel; e até prevêem que o País será invadido por bandos de européias loucas para engravidar. Afinal, aqui a PF garante que, trazendo o esperma do escolhido em um copinho, basta um tubo de caneta bic ou um punhado de leite em pó para que o problema seja resolvido. Na sexta-feira 23, Garisto já previa que teria nova semana de gozação. A PF mobilizou dezenas de homens para que Boreli prestasse um novo depoimento sobre o caso e ainda divulgou o seu conteúdo: ele insiste em dizer que enviava esperma para a cela de Gloria em um copinho e por causa disso ela teria engravidado. De fato, só resta esperar que Noel estacione o trenó ou então preparar os hotéis de Brasília para a chegada das estrangeiras.

 

“ Eles queriam sexo e ela deu”

Durante 66 dias, no segundo semestre do ano passado, Roberta Menuzzo foi colega de cela de Gloria Trevi na carceragem da PF. Ela responde em liberdade a um processo por tráfico de drogas e, na terça-feira 20, participou de uma audiência com o juiz Vilmar Pinheiro, da 1ª Vara de Entorpecentes do DF. Antes da audiência, e depois dela, Roberta conversou com ISTOÉ.

ISTOÉ – Por que você foi presa?
Roberta Menuzzo – Fui acusada de tráfico. Fui presa (no dia 16 de setembro de 2000), espancada no asfalto por policiais e assediada sexualmente por um deles. O nome é D’Anaquim (agente Bruno D’Anaquim Cruz).

ISTOÉ – A informação de um preso é a de que policiais assediam sexualmente mulheres presas e têm relações sexuais com algumas delas…
Roberta – Exatamente.

ISTOÉ – Você ficou na mesma cela de Gloria Trevi?
Roberta – Com Gloria Trevi e Maria Raquenel Portillo, a Mary Boquitas (secretária da cantora).

ISTOÉ – A cela ficava fechada?
Roberta – Sim. Às vezes o carcereiro tirava alguém. Antes era o seu Amorim (agente Paulo César Amorim Porto). Ele tirava alguém e depois trancava a cela.

ISTOÉ – O Amorim tirava a Gloria?
Roberta – Várias vezes. A Gloria saía muito. E não só o seu Amorim. Às vezes, o próprio delegado.

ISTOÉ – Delegado?
Roberta: Seu Bandeira (agente Marcos Edilson do Rego Bandeira). Muitas vezes ela saía à noite também.

ISTOÉ – E você?
Roberta – Eu não quis aceitar: não vou transar com um policial pra poder usar o telefone ou pra poder passar fax.

ISTOÉ – E era necessário isso?
Roberta – Era necessário. Para ter regalias, sim. Quem me trouxe o recado foi a Gloria. Ela fez as coisas dela pra ter sua liberdade ali dentro, que eu sei que foi fazer sexo, porque ela voltava e me dizia que tinha feito sexo.

ISTOÉ – Que policiais faziam sexo com a Gloria?
Roberta – Ela me disse que estava tendo relações com um delegado.

ISTOÉ – Você acha possível que ele seja o pai do filho da Gloria?
Roberta – Eu não sei. Mas que estava fazendo sexo com eles estava. E eu sei do seu Bandeira também.

ISTOÉ – Você sabe por que a própria Gloria falou?
Roberta – Exatamente. O seu Bandeira ela também me disse. E eu fiquei indignada. Querendo bancar o pastor ali dentro, falando que eu precisava orar, que tinha cometido um pecado.

ISTOÉ – Bandeira é Marcos Edilson do Rego Bandeira, agente da PF?
Roberta – Exatamente.

ISTOÉ – Mais algum?
Roberta – Não. Eu vi uma cena. São três salinhas na Federal (ela desenha as salas) quando você sai do corredor (de celas). Tem a sala de vidro, onde a gente recebe as visitas. Do lado de cá, fica a antiga sala de visitas, onde tem uma mesinha e um telefone. Depois, a sala do seu Bandeira. E aqui a sala de guardar coisas de presos, o depósito. Tinha uma geladeira. Eu cheguei aqui (no depósito) e ele me pediu pra eu ir reconhecer minha mala. Só que quando eu cheguei aqui no fundo a Gloria tava sentada num sofá e o delegado também.

ISTOÉ – Descreve a cena…
Roberta – A Gloria sentada no sofá, o delegado sentado na cadeira. Ela com a saia recolhida, erguida até o meio da coxa, e ele com a mão em cima da coxa dela. E ela com a mão em cima da mão dele. Eles não esperavam me ver ali.

ISTOÉ – Quem era o agente que estava acompanhando você?
Roberta – Era um preso (Adail Pereira de Paula) e ele não avisou que eu ia pegar minhas coisas. E não bateu na porta.

ISTOÉ – A Gloria pode ter sido usada?
Roberta – Eles pensavam que estavam fazendo isso por esperteza. Só que eles não sabiam com quem estavam mexendo, porque a Gloria é muito mais esperta do que todo mundo pensa. O que ela queria? Queria usar o telefone e queria uma maneira de não sair do País. E conseguiu fazendo isso. Eles queriam sexo, ela deu.

ISTOÉ – Outros presos poderiam ter tido relação com Gloria?
Roberta – Não. As presas ficam trancadas quando os caras estão soltos.

ISTOÉ – A PF usa uma carta do Boreli para dizer que ele é o pai da criança e usou inseminação artificial.
Roberta – Não. Isso é impossível.

ISTOÉ – Há uma versão de que a polícia apagava as luzes e eles faziam sexo na carceragem mesmo…
Roberta – Mentira, eu nunca vi isso.

ISTOÉ – Por que a Gloria ia querer engravidar do Boreli?
Roberta – Jamais a Gloria ia querer engravidar do Marcelo Boreli. Ela já tinha sexo com policiais, por que iria buscar lá embaixo? Preso não tinha como relacionar com preso. Que vantagem o Marcelo ia trazer pra ela? A questão dela era ter acesso ao telefone, ao fax…

ISTOÉ – E aquele outro delegado, o Carlos José Santana?
Roberta – O Santana era a Mary.

ISTOÉ – Todo mundo sabia?
Roberta – Todo mundo sabia.

ISTOÉ – É possível que o delegado Rômulo soubesse?
Roberta – Como um medicamento pra fazer teste de gravidez entra dentro do presídio, sendo que até as bolachas que eu ia comer eram abertas? (…) Como uma pessoa presa faz exame de gravidez e o policial ainda vai entregar o exame?