22/01/2021 - 11:52
Pouco mais de cinco anos após colapso de barragem que causou maior tragédia socioambiental do Brasil, mineradora responsável, controlada pela Vale e BHP, volta a operar na cidade. Atingidos ainda aguardam reparação.A quase 25 quilômetros do centro de Mariana, em Minas Gerais, a movimentação de trabalhadores e máquinas na mineradora Samarco entra numa rotina depois de uma longa pausa. O minério de ferro na unidade da empresa, controlada pela Vale e a BHP, volta a ser extraído passados cinco anos do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em 5 de novembro de 2015.
Com 1.450 empregados, metade do que a Samarco tinha antes da tragédia, até 8 milhões de toneladas do minério serão extraídas por ano. A retomada deu-se às vésperas do Natal, em 23 de dezembro último. Menos de um mês depois, a primeira carga internacional já havia partido rumo à Europa, com 75 mil toneladas.
Mônica dos Santos está inconformada com a notícia. Ela é uma das sobreviventes do tsunami de rejeitos que escorreu da Samarco e matou 19 pessoas, destruiu vilarejos e causou a maior catástrofe socioambiental do país.
“É uma afronta. Como pode uma empresa criminosa voltar às operações e nós, atingidos, estarmos na mesma, sem perspectiva?”, questiona.
Cinco anos após o desastre, ninguém foi preso ou responsabilizado pelo rompimento de Fundão. Sete pessoas físicas respondem a processos: cinco delas por crimes ligados ao rompimento e crimes ambientais; duas respondem por fatos laterais.
À espera do novo lar
Moradora à época de Bento Rodrigues, distrito de Mariana mais destruído pela lama, Santos vive provisoriamente – há cinco anos – num apartamento no centro da cidade à espera da entrega do novo vilarejo.
Desde então, todas as conversas sobre a reparação dos danos não têm diretamente o nome da Samarco envolvido, mas da Fundação Renova. Ela foi constituída em março de 2016 pelas mineradoras para lidar com os estragos provocados.
Da Renova, eles esperam até hoje a entrega do “Novo Bento”. O reassentamento tem, por enquanto, cinco casas construídas das 235 previstas, segundo os atingidos. O último prazo para entrega das obras estabelecido pela Justiça, 27 de fevereiro, ao que tudo indica, não será cumprido.
“A questão do prazo está sendo tratada no âmbito de uma Ação Civil Pública, tendo sido o juízo devidamente informado sobre os impactos da covid-19 no andamento das obras desses reassentamentos”, justificou a Renova à DW Brasil.
Nova técnica, velha falta de fiscalização
A antiga barragem que armazenava rejeitos e que colapsou, Fundão, está inoperante desde 2015. Dela vazaram 60 milhões de metros cúbicos do material poluente pelo rio Gualaxo do Norte, até encontrar o rio Doce e desaguar no Atlântico, no Espírito Santo.
Segundo a Samarco, o que sobrou da estrutura está entre as que possuem Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) e atendem aos requisitos de segurança, de acordo com normas brasileiras e internacionais.
Para voltar à ativa, a empresa obteve ainda em 2019 a Licença de Operação Corretiva (LOC), dada pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Com a volta das atividades, os rejeitos que sobram da extração do minério agora seguem para um sistema de filtragem, que transforma 80% do total num material sólido, que é empilhado a seco. O restante, uma mistura de água e fino de minério, vai para a Cava Alegria Sul, uma estrutura natural rochosa mais segura, afirma a empresa.
Com o tempo, essa água deve infiltrar ou evaporar e, o que sobra, se solidifica, diz sobre a técnica Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), consultado pela DW Brasil.
O método, porém, não é garantia de segurança, pontua Martinez. “Não temos no Brasil um processo de inspeção e fiscalização. Pode ser utilizada qualquer técnica, sem inspeção e fiscalização vamos continuar eternamente em dúvida”, comenta.
Espera longa demais
Como as mais das 300 famílias atingidas, Marino D'Angelo Junior espera há cinco anos que a vida volte a ter certa normalidade. Morador do distrito de Paracatu, ele teve os sítios onde criava gado leiteiro arrasados pela lama. Desde então, vive numa residência provisória.
“Fico indignado. É uma falta de respeito. Não sou contra a Samarco voltar a operar, mas ela tinha que reparar as pessoas que prejudicou. Eu não dependia de mineração, a gente tinha criado a nossa própria vida”, diz.
Das 65 vacas que criava, que rendiam diariamente mil litros de leite, sobraram 26, que dão 250 litros. A ração para os animais, que é fornecida pela Fundação Renova segundo acordado, ora falha, ora é insuficiente, afirma D'Angelo Junior.
“Estão estrangulando os atingidos, fazendo de conta que estão cuidando bem da gente”, opina. “Cada dia que passa, esse rompimento vai tirando um pouco daquilo que a gente gosta.”
José do Nascimento de Jesus, da comissão de atingidos, diz estar revoltado. “É um absurdo uma criminosa voltar a trabalhar e não ter ninguém na cadeia. É um crime o que aconteceu, o que eles fizeram. E o que é pior? Muita gente ainda não recebeu indenização e não está assentado”, desabafa seu Zezinho, como é conhecido.
Essa espera foi muito longa para dona Maria Benigna, ex-vizinha de D'Angelo Junior em Paracatu. Ela foi uma das poucas que continuaram no vilarejo depois da tragédia. Da última vez que a reportagem da DW Brasil encontrou Benigna, em novembro último, ela ainda não sabia se ganharia uma nova casa da mineradora. Em janeiro de 2021, ela faleceu.
As obras do reassentamento de Paracatu, para onde Benigna pretendia se mudar, estão em fase de fundação das estruturas. O local deve abrigar 97 famílias que viviam no distrito destruído. Não há prazo claro para a sua conclusão.