O Ministério da Saúde ignorou um parecer da própria pasta que recomendava a compra de seringas com entrega por frete aéreo, mais rápido, para garantir que o país tivesse insumos suficientes para efetuar vacinação contra a Covid-19. As informações são do jornal O Globo.

Em negociação com a Organização Panamericana da Saúde (Opas) para a aquisição dos produtos, o Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do órgão defendeu a compra de seringas com entrega por avião, ainda que com preço maior, argumentando que o mercado brasileiro não conseguiria suprir a demanda do Programa Nacional de Imunização (PNI) no tempo previsto.

Mesmo com o alerta, a secretaria executiva do Ministério da Saúde, comandada pelo oficial do Exército Élcio Franco, decidiu ignorar as recomendações do departamento “mesmo cientes das diferenças quanto ao tempo da entrega”. É o que apontam documentos obtidos pelo Globo via Lei de Acesso à Informação.

De acordo com os documentos, a previsão para a chegada da primeira remessa de entregas no país via marítima é 25 de janeiro, com 1,9 milhão de unidades. Depois disso, a próxima entrega só aconteceria em março. Se a compra fosse realizada com frete por via aérea, o Brasil já teria recebido em dezembro do ano passado 20 milhões de seringas.

Em despacho interno no dia 16 de setembro, o departamento argumentou que a aquisição por avião das seringas era “estratégica” tendo em vista a entrega de doses da vacina até janeiro de 2021, uma vez que, segundo o documento, a indústria brasileira relatava desde fevereiro de 2020 dificuldades em fornecer as quantidades necessárias ao Plano Nacional de Imunização em um curto espaço de tempo.

“Os fornecedores cotados poderão iniciar as entregas de 20 milhões de unidades em dezembro de 2020, 17.256 milhões de unidades em janeiro de 2021 e 2.744 milhões de unidades em fevereiro de 2021 no valor total de US$ 4.679.406,76 (quatro milhões, seiscentos e setenta e nove mil, quatrocentos e seis dólares e setenta e seis centavos), já inclusos preços de produto, frete, seguro e taxa administrativa da Organização. Isto posto, este Departamento se posiciona favorável à continuidade desta aquisição, considerando o risco de não entrega das seringas pelo mercado nacional até dezembro 2020”, diz o despacho interno do ministério defendendo a aquisição por frete aéreo das seringas.

Em 23 de dezembro, mais de um mês após receber o parecer do departamento de imunizações, em despacho assinado pelo secretário executivo adjunto, Jorge Luiz Korman, a secretaria questiona os preços da aquisição dos insumos por avião e determina nova cotação, argumentando que o preço oferecido pela Opas é muito superior ao previsto pelo governo.

“Levando em consideração a cotação do dólar no dia de hoje, de R$ 5,62 (cinco reais e sessenta e dois centavos), o preço da possível contratação via OPAS apresenta uma diferença de mais de 250% em comparação ao maior preço da pesquisa preliminar do SRP e de cerca de 500% superior ao menor preço da mesma pesquisa, em cada unidade de seringa/agulha”, diz o despacho.

De acordo com a reportagem, a secretaria executiva do Ministério da Saúde esperava conseguir comprar em um pregão em dezembro 331,2 milhões de seringas, mas garantiu apenas 7,9 milhões.

Dias depois, a Opas enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando uma definição sobre a compra das seringas, afirmando que o país possuía recursos para efetuar a compra.

“[…] Gostaríamos de solicitar a confirmação desse Ministério sobre a efetuação da compra. Adicionalmente, informamos que o Brasil tem aproximadamente US$ 3,1 milhões na conta do Fundo Rotatório, além da linha de crédito que poderá ser disponibilizada para o país. Aguardamos a manifestação desse Ministério, através de ofício com a indicação da fonte de financiamento, para que possamos seguir com a compra”, diz a Opas.

Governo apostou que vacina chegaria só em 2021

Cerca de um mês após ser questionado pela Opas se fecharia a compra das seringas, o Ministério da Saúde apostou em um atraso na disponibilização das vacinas e enviou um ofício à organização argumentando que “o cenário para a aquisição da vacina para combate ao Covid-19 mudou”, justificando a opção por via marítima.

“Houve informação do PNI que a referida vacina chegará ao Brasil somente no primeiro trimestre de 2021. A opção de modal marítimo se mostra, de forma geral, como uma opção mais econômica para o envio de cargas no comércio internacional. Assim, espera-se que, com esta nova estimativa de preços, o investimento total nesta aquisição diminua, possibilitando à Secretaria Executiva analisar este aspecto de uma perspectiva mais favorável do ponto de vista financeiro, anuindo a aquisição dos insumos por meio da OPAS/OMS, mesmo cientes das diferenças quanto ao tempo de entrega”, diz o ofício que comprova que o governo sabia que as seringas poderiam chegar mais tarde.

A reportagem do jornal O Globo questionou o Ministério da Saúde sobre a opção por um frete mais demorado, sob risco de prejudicar o plano de imunização, sobre ter fechado uma compra das seringas com data prevista, inicialmente, para chegada do primeiro lote apenas em março, e também sobre a demora em responder a Opas, mas não obteve resposta da pasta.