15/10/2003 - 10:00
Sabe aquele cafezinho amargo, sem gosto, aguado? Esqueça. Está fora de moda. De alguns anos para cá, o brasileiro passou a valorizar esse produto que está no próprio DNA da formação cultural, estética e social do País. Estamos entrando na era dos cafés especiais e gourmets. Uma bebida feita a partir de grãos selecionados, produzida com critério e servida com o requinte e a elegância dos melhores vinhos. A revolução ainda está no começo. E não se limitará apenas a bules e xícaras. O fruto estreou na alta gastronomia. Tornou-se ingrediente
de finos pratos elaborados em sofisticados restaurantes. Até nos supermercados já é possível encontrar marcas que transformam um simples cafezinho numa saborosa e elegante viagem de sabor e prazer. Não era sem tempo. Afinal, há séculos esse pretinho básico fez parte
do dia- a-dia do Brasil. Sem exagero, pode-se dizer que onde
há um brasileiro há uma xícara de café por perto. Fica até difícil compreender por que só agora o maior produtor de café do mundo – colheu 48 milhões de sacas em 2002 – passou a reverenciar um de
seus maiores e mais preciosos bens.
Entre os fatores apontados como fundamentais para essa mudança de atitude, destaca-se o boom do café expresso. O fenômeno impulsionou
a abertura de redes de cafeterias mundo afora. Nessa o Brasil se deu bem. O grão plantado aqui, tipo arábica – que devido às suas variações de acidez e corpo confere à bebida aroma requintado e sabor intenso –,
é tido como o melhor para o preparo da bebida. O outro fruto cultivado em larga escala no Brasil, chamado de robusta ou conillon, menos complexo e com mais cafeína, é usado nos blends (mistura de grãos)
dos cafés tipo superior ou tradicional, ambos inferiores aos especiais e gourmets. “O café está trilhando um caminho semelhante ao do vinho”, diz Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Associação Brasileira
da Indústria do Café (Abic).
Não é exagero. Novas técnicas agrícolas, cuidados no armazenamento e distribuição, a implantação de selos de qualidade e o surgimento dos baristas, profissionais na arte de servir uma ótima bebida, são a prova de que o tratamento mudou. Mas o principal fator dessa revolução é o surgimento dos cafés especiais. Antes, exportava-se o fruto verde, que era torrado e moído no Exterior. Principalmente na Itália e Alemanha, os maiores exportadores de café industrializado do mundo. Aqui só eram fabricadas bebidas de baixa ou no máximo média qualidade. Agora, é possível encontrar ótimos cafés com o selo made in Brazil. “Aqui o café não era torrado, mas, sim, incinerado. Tudo para esconder imperfeições, como a adstringência e acidez. O brasileiro quer café forte, encorpado. Mas isso significa café escuro, muito torrado, imperfeito”, conta o neozeolandês Marco Kerkmeester, proprietário do Santo Grão, um café tão elegante quanto o bairro onde está instalado, nos Jardins, em São Paulo. O lugar é especializado em servir “café gourmet”, ou café de alta qualidade, como prefere o dono: “Café gourmet é uma nomenclatura ruim. Quando preparamos nosso blend não me preocupo se foi classificado como tal”, conclui Kerkmeester.
Termos – Há quem pense da mesma forma. Marco Suplicy, primo de segundo grau do senador Eduardo e dono do recém-inaugurado Café Suplicy, situado também nos Jardins, acha que o termo é uma invenção brasileira para facilitar a entrada do produto no mercado estrangeiro. “Café gourmet não quer dizer nada. Gourmet é uma pessoa, entende?”, diz o empresário. A casa tem seu próprio blend, além de vender lotes
de grãos tipo arábica de seis diferentes fazendas, situadas entre São Paulo e Minas Gerais. O problema parece ser a utilização indevida do termo. “Algumas indústrias andam aplicando incorretamente esse nome. Sabemos que a grande maioria dos cafés ditos gourmet à venda no mercado apresenta imperfeições e qualidade duvidosa”, diz a empresária
e barista Georgia Franco de Souza. Uma das maiores autoridades em café no Brasil, ela é dona da Lucca Cafés Especiais, localizada no Batel, bairro chique de Curitiba. A loja é uma verdadeira butique de luxo dedicada ao grãozinho. Neta de fazendeiros de café, Georgia viajou toda Europa e Estados Unidos atrás de cursos e workshops. Seu esforço foi recompensado. A moça foi contratada pelo Itamaraty para servir seu
café aos chefes de Estado e autoridades convidadas para a posse do presidente Lula. Recebeu elogios de um confesso admirador da bebida.
“O Fidel Castro bebeu pelo menos três xícaras. Disse que estava muy bueno”, recorda-se Georgia.
Para deleite do comandante e dos apreciadores em geral do café, e apesar da polêmica quanto à nomenclatura, hoje há pelo menos 100 marcas de cafés especiais e gourmet no mercado, a maioria do Estado
de São Paulo. Pesquisa recente do Sindicato da Indústria de Café do Estado de São Paulo (Sindicafé-SP) revelou que 22% da área física de venda do produto nos supermercados já é ocupada por esse tipo de
café. Como os melhores vinhos, algumas marcas receberam selos de qualidade. Spress Café, Astro e Cafeera, Brauna e Turmalin carregam orgulhosas o certificado da Associação Brasileira de Cafés Especiais (ABCA), entidade que agrega os produtores e fabricantes elegantes da bebida. A associação, por sinal, está organizando seu quinto concurso
de qualidade. Diversos produtores do País enviaram 974 amostras de frutos para avaliação. A disputa irá até o final de outubro e os melhores grãos passaram pelo crivo de um júri internacional, que se reunirá em Araxá, em Minas Gerais.
Os colegas paulistas também estão preocupados com a qualidade da bebida. Os cafés Gran Reserva, Canecão e o Spress foram agraciados com o selo Produto de São Paulo, concedido pela Secretaria de Agricultura do Estado. Essas marcas podem ser encontradas em cafeterias finas, restaurantes chiques e até mesmo em alguns supermercados. A rede Pão de Açúcar tem uma boa oferta de marcas diferenciadas em suas gôndolas. O segredo dessas jóias? Todos levam 100% de grãos do tipo arábica e têm no seu blend frutos do Sul de Minas, Cerrado mineiro e Chapada de Minas Gerais; Mogiana e Centro-Oeste paulista; Norte do Paraná; e Planalto e Cerrado baiano, as melhores regiões produtoras de café do País.
Mas se apenas seis rótulos têm um carimbo de excelência, como reconhecer os outros? “Como ainda é um mercado novo, a melhor maneira de identificar um gourmet na prateleira é pelo preço”, diz Herszkowicz, da Abic. E o consumidor não deverá mesmo ter dificuldades para identificá-los. O quilo do café gourmet custa em média R$ 16,23. O tradicional sai quase três vezes menos: R$ 6,42. As previsões são de que nos próximos anos a procura por cafés de qualidade triplique. Não é por acaso que o café brasileiro industrializado começa a despertar interesse no Exterior. As empresas Café Bom Dia, com a marca Perfect Morning, e Coimex, com o café Brazilian Rio, entraram no disputado mercado americano. O único porém é que a valorização do café não está chegando às mãos de quem o produz. Nos últimos anos, o preço internacional do grão teve uma queda de até 70%. Os motivos? O consumo mundial caiu – até por causa da concorrência com chás sofisticados e sucos concentrados – e, na contramão, a produção aumentou. Os cafeicultores também acusam os fabricantes de estipular o preço do produto a seu favor.
Discussões à parte, o café segue seu caminho rumo à sofisticação. E não só na xícara. A alta gastronomia descobriu o valor desses grãozinhos. Daniella Andrade, chef da Mille Foglie, um misto de livraria café e restaurante, localizada nos Jardins, em São Paulo, inovou quando resolveu mesclá-lo aos pratos servidos no almoço. “Por que não brincar? Adicionei o café em um prato com javali, que é uma carne neutra. Aí completei com ingredientes brasileiros, como banana frita e purê de batata”, explica.
A exemplo do Mile Foglie, no restaurante Valle D’Aosta, em Alphaville, condomínio localizado em Barueri, cidade vizinha a São Paulo, a chef Marilene Cunha criou um faggotino di café, uma trouxinha recheada com vários tipos de queijo e molho à base de café. Para aguçar ainda mais a imaginação dos chefs, em junho passado a Associação Brasileira de Alta Gastronomia (Abaga) promoveu um concurso para eleger os melhores pratos salgados que levassem café. O primeiro lugar ficou com o restaurante Leopolldo, com o prato Saint-Jacques “en cage” à l’arôme de café as petite salade, do chef Daniel Olivier Valay. “O café é uma bebida que pode acompanhar uma refeição desde a entrada até a sobremesa”, diz Jorge Monte, presidente da Abaga e idealizador do concurso.
Elegante e ingrediente de pratos sofisticados, o irrequieto café não pára. A criação do Grupo de Avaliação de Café (GAC), do Sindicato das Indústrias de Café do Estado de São Paulo (Sindicafé), é mais uma prova disso. O GAC tem a incumbência de emitir laudos que atestem a boa qualidade das amostras enviadas por fabricantes e produtores. No ano que vem a Abic implementará o Programa de Qualidade de Café (PQC). O objetivo é criar um selo de qualidade para toda a indústria. A menina dos olhos do PQC é o Sensor de Paladar, apelidado de língua eletrônica. O equipamento, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Tecnologia Agropecuária (Embrapa), em sua unidade de São Carlos (SP), apresenta uma sensibilidade de paladar em média mil vezes mais apurada do que a de um ser humano. A máquina foi desenvolvida com princípios da nanotecnologia (que se baseia na utilização de átomos). O Sensor foi projetado para analisar qualquer líquido. Mas o café será o primeiro, graças à parceria firmada entre a Embrapa e a Abic. Fora isso, inúmeros concursos são promovidos para avaliar a qualidade da bebida. É. O cafezinho nunca mais será o mesmo. Ainda bem!
Faggotino di Cafe (prato individual) |
Molho de base 250 ml de leite 50 g de queijo brié 30 g de manteiga 25 g de trigo 100 g de pinoli 20 ml café expresso Recheio Massa Modo de preparo |
|