No passado, era comum que as pessoas procurassem cartomantes para saber de seus destinos. Diante do “veredicto”, decidia-se entre seguir os conselhos para fugir dos infortúnios ou ignorar os avisos. Hoje, existem meios mais fáceis de predizer o que a passagem do tempo nos reservará. Com o auxílio da genética, a medicina já permite
que o sonho de ter o destino nas mãos se aproxime cada vez mais da realidade.

Desde o anúncio do sequenciamento do genoma humano, em 2001, estão altas as apostas no poder do DNA (a cadeia de moléculas que determina nossas características). “Esse desvendamento permitiu a identificação das diferenças entre os indivíduos. Elas podem indicar se uma pessoa é mais suscetível ou resistente a uma doença”, avalia o oncologista Luís Fernando Reis, do Hospital do Câncer, de São Paulo.

Por isso, um valioso resultado do sequenciamento está na área de diagnóstico. “A genética tem importância na prevenção e detecção precoce de doenças”, diz Nelson Hamerschlak, superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. É verdade. No Brasil, é possível fazer testes que avaliam o risco de desenvolver câncer de mama. Eles foram criados após a descoberta de dois genes associados à doença. “Também identificamos indivíduos com maior risco de sofrer com o colesterol ruim”, exemplifica José Eduardo Krieger, do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo.
Nos próximos anos, a oferta desse tipo de diagnóstico será ampliada.

Além de auxiliar no diagnóstico, o conhecimento genético é ferramenta importante na criação de remédios. Os cientistas analisam genes para conhecer seu papel no surgimento de uma enfermidade e também para descobrir uma forma de inibir sua ação. Há diversas pesquisas com esse foco em fase adiantada de estudos, o que pode gerar resultado prático em breve. Parte desse trabalho é feita com a ajuda da bioinformática, nova ciência que se destaca na investigação científica. “Com a ajuda de supercomputadores, os pesquisadores caçam genes alterados e os associam a doenças”, explica o biólogo Paulo Oliveira, do Incor. Este tipo de investida está dando resultados. Pesquisadores do Incor, por exemplo, encontraram um gene possivelmente associado à hipertensão. Nos primeiros meses de 2003, esperam confirmar a relação por meio de testes com animais. Outra aposta é o remédio individualizado, feito com base nas informações genéticas de cada um. “As drogas personalizadas serão feitas nas doses exatas para o paciente”, afirma a ISTOÉ Rochelle Longo, especialista do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos.

A ciência deposita suas fichas em mais alternativas. A terapia
celular, que consiste em substituir células com problemas por
células saudáveis, é uma das esperanças. No Brasil, os cientistas
não se dedicam apenas ao estudo das células-tronco embrionárias
(que, por serem capazes de formar qualquer tipo de tecido, podem
ser usadas para reconstituir órgãos comprometidos). Eles trabalham
com a possibilidade de usar células encontradas em adultos com capacidade de se transformar em vasos e músculos. É a chance de corrigir males cardíacos, por exemplo, sem entrar em discussões éticas que envolvem a retirada de células de embriões. O Incor acaba de
ser autorizado pelo Ministério da Saúde a aplicar injeções com
essas células em dez pacientes. Os testes começam em 2003.

Uma parceria entre o Instituto de Química da Universidade de São
Paulo e o Hospital Albert Einstein permitirá outra experiência de
terapia celular. O objetivo é tratar a diabete do tipo 1. Em dezembro,
foi feito o primeiro transplante de ilhotas (conjunto de células) de pâncreas. São elas que produzem a insulina, hormônio que abre a
porta das células para a entrada da glicose. Nos diabéticos, sua produção é deficiente. As instituições têm autorização para fazer
mais 17 transplantes. Se tudo der certo, o procedimento poderá
estar disponível em três anos. Por enquanto, a intervenção trouxe
melhor controle da glicose no sangue. Mas tão importante quanto
o ganho pessoal do paciente é a conquista dos pesquisadores.
O transplante significa que o passaporte para a medicina do futuro recebeu seu primeiro carimbo. “Antes, transplantávamos órgãos.
Agora, células”, comemora o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, coordenador-geral do projeto de transplante de ilhotas.

Na capital federal, outro trabalho chama a atenção. A Universidade de Brasília (UnB) criou um fluido magnético que, entre outras aplicações, combate o câncer. O líquido escuro contém nanoimãs (um nanômetro é a bilionésima parte do metro). Para eliminar tumores, o líquido deve ser “transportado” até a célula maligna com o auxílio de uma droga que vai direto ao tumor. Em seguida, o equipamento emite um campo magnético que faz o ímã vibrar e produzir calor. “Essa elevação de temperatura mata a célula”, explica Zulmira Lacava, professora da UnB. O fluido magnético está em estudos e
deverá ser testado em seres humanos dentro de três anos.

Como há quem diga que o futuro sempre chega tarde, vale lembrar que
o presente já sinaliza que está mais fácil manter a saúde. Os exames
de diagnóstico por imagem, caso da ressonância magnética e da tomografia, estão mais sofisticados. Isso significa que é possível ver melhor onde está o perigo, com menos agressão. Na Clínica Mayo (EUA), o destaque é um novo tomógrafo, o multislice de última geração. O aparelho reproduz as estruturas cardíacas sem que um cortezinho seja feito. Com a utilização de um líquido de contraste, os médicos visualizam problemas nas artérias coronárias (que abastecem de sangue o coração). Em certos casos, outros exames não revelam essas alterações. “Os exames não invasivos são uma forte tendência”, diz o cardiologista americano Thomas Gerber. Um equipamento tão requintado quanto o
da Mayo está disponível há cerca de um mês numa clínica de Brasília.
“O aparelho permite fazer 38 imagens do coração por segundo, contra oito dos demais tomógrafos”, explica o radiologista Tito Mundim.

Em 2003, a indústria farmacêutica também promete lançar remédios
que facilitam a vida. “O objetivo é criar drogas mais específicas e
com menos efeitos colaterais”, diz o americano James Pivnichny, um
dos diretores do laboratório Merck. Entre as novidades dessa linha
estão os anticoncepcionais Nuvaring e Evra. O primeiro é um anel
vaginal que libera doses de hormônio. O Evra é um adesivo. Nos
dois casos, as substâncias que impedem a concepção não são metabolizadas pelo fígado, o que ocorre com as pílulas. Por isso,
os produtos causam menos desconfortos, como a náusea.

Outra boa notícia será a chegada de uma nova classe de remédios contra a Aids. Em 2003, o FDA – órgão americano responsável pela fiscalização de remédios – dará seu sinal verde para o uso dos inibidores de fusão. São drogas que impedem que o HIV, o vírus causador da doença, se cole às células a serem infectadas. “Esses remédios são potentes e representam uma linha promissora de combate à Aids”, afirma o infectologista Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo.