28/12/2020 - 7:20
SÃO PAULO, 28 DEZ (ANSA) – Um dos fatores colaterais positivos da crise sanitária gerada pela pandemia de Covid-19 em 2020 é o avanço histórico e em tempo recorde no estudo, desenvolvimento, produção e aprovação de vacinas contra uma doença.
A união internacional para o compartilhamento de informações sobre o Sars-CoV-2 e investimentos maciços de governos, empresas e organizações fizeram o mundo acompanhar quase em tempo real o delicado processo de desenvolvimento de imunizantes contra a Covid-19.
Além disso, os testes conciliaram fases simultâneas para acelerar os estudos e permitir que o planeta chegasse em dezembro com vacinas já em uso por países como Reino Unido, Canadá, EUA e Rússia.
Até a pandemia, o imunizante de desenvolvimento mais rápido na história era a vacina contra a caxumba, que levou quatro anos até ser disponibilizada para a população. Normalmente, um imunizante eficaz demora de 10 a 15 anos para ficar pronto – a vacina contra a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) levou quase uma década.
“Eu acredito que isso aconteceu devido à velocidade que a gente tem hoje nos meios de comunicação virtuais, o que possibilitou esse avanço de tecnologia de informação que existe no mundo inteiro. Esses esforços a nível mundial e também aqui no Brasil foram muito importantes”, destaca o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, em entrevista à ANSA.
Já para a consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Raquel Stucchi, outra razão para essa velocidade é o fato de que o mundo já tinha informações sobre a estrutura de coronavírus semelhantes devido às epidemias de Sars, entre 2002 e 2003, e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), em 2013.
“Isso possibilitou que a gente usasse também os ensaios clínicos contra a Sars e a Mers e, com isso, realmente foi possível ter essa vacina em um tempo tão recorde”, acrescenta Stucchi à ANSA.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) consultados em 16 de dezembro, há no mundo 52 candidatas a vacina contra a Covid-19 nas fases de estudos clínicos (em humanos) e outras 162 em etapa pré-clínica (testes em laboratório e animais).
Grande parte delas usa vírus (ou partes deles) inativos para “ensinar” o sistema imunológico a reagir ao invasor e produzir anticorpos. No entanto, a primeira vacina anti-Covid aprovada para uso humano no Ocidente, desenvolvida pelo laboratório alemão BioNTech e pela farmacêutica americana Pfizer, usa uma tecnologia inédita: o RNA mensageiro (mRNA).
A técnica se baseia em uma espécie de “instrução” genética para as células produzirem a proteína spike, usada pelo Sars-CoV-2 para atacar o organismo. Ao reconhecer essa proteína, o sistema imunológico cria os anticorpos necessários para neutralizá-la e que, mais tarde, servirão para curar uma eventual infecção pelo coronavírus.
Os estudos sobre esse tipo de técnica começaram ainda na década de 1990, mas foram impulsionados pela pandemia. “Sem dúvida nenhuma, essas tecnologias inéditas que usaram agora deverão ser aproveitadas para outras vacinas, e isso será um ganho imenso para o mundo”, destaca Stucchi.
Mas essa rapidez no desenvolvimento das vacinas pode trazer problemas para a saúde das pessoas? A consultora da SBI não acredita que isso seja possível, mesmo que reações adversas inesperadas possam aparecer de maneira pontual.
“A hora em que você começa a fazer uma aplicação de vacina em larga escala, você pode ter surpresas, como aconteceu agora na Inglaterra, com dois quadros de reação alérgica, e eles estão mudando até a orientação da vacinação”, diz Stucchi, referindo-se a dois casos de alergia constatados no primeiro dia de imunização no Reino Unido.
“A gente sabe que isso acontece. Foi assim com o rotavírus, foi assim com a vacina de dengue, que você tem uma fase três com centenas de milhares de pessoas e depois, quando você vai fazer com um grupo muito maior, pode aparecer alguma reação que você não tinha visto até então. Isso pode acontecer, não é surpresa e não desmerece a vacina. É um avanço importantíssimo”, pontua.
Já o presidente do CNS lembra que esses avanços e essa rapidez podem ser mantidos no futuro se continuar havendo investimentos públicos e privados em pesquisa e inovação. “Quando o setor público recebe mais investimentos, as respostas também vêm mais rápidas”, afirma Pigatto. (ANSA).