25/11/2009 - 0:00
O pequeno e calmo G*, de apenas 9 dias, nem abre os olhos durante o passeio no colo da mãe, Carla, numa manhã de sol em um pátio de paredes cor-de-rosa. Y, 12 dias, mama com vontade, enquanto Francislaine acaricia o cabelo macio da filha recém nascida. Sorridente e esperta, M.L., 1 ano e 2 meses, faz gracinhas para Wagnéia, que, em troca, enche a menina de beijos e abraços.
NINHO Os alojamentos são claros e espaçosos, com as camas das mães ao lado dos bercinhos. Personagens infantis e fotos de família decoram as paredes.
O mais jovem morador, de 9 dias, no colo da mãe. Taciana brinca com a filha J.
Algumas das detentas do Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, Minas Gerais, contam como é cuidar das crianças lá, falam do medo da hora da separação e garantem que nunca mais se envolverão com o crime
Carla Souza, 20 anos, mãe do recém-nascido G.*
“Fui presa acusada de tráfico de drogas, mas ainda vou a julgamento. Já estava grávida de sete meses. A droga que os policiais encontraram na minha casa era do meu irmão. Ele não foi preso por ser menor de idade. Tinha 200 gramas de maconha e 17 cigarros já enrolados. Alguém fez uma denúncia no meu nome, provavelmente vizinho. Minha mãe não sabia que tinha isso em casa. Com o pai do meu filho morei junto seis anos. Nos separamos ainda antes de eu ser presa, por incompatibilidade. Temos outro filho, de 4 anos. Ele mora com o pai, que é operário em uma fábrica. Meu ex-marido me pergunta porque cai nessa vida. Por mais que a gente tenha se separado, ficou triste pelo que aconteceu. Meu irmão disse que se sente culpado, mas não acho que ele vá parar de vender droga. Quando fui presa, me levaram para a cadeia pública da minha cidade. Era um horror. Quase não podia receber visita, banho de sol era uma vez por mês, a comida era ruim. Como eu já estava grávida, passei mal e não me ajudaram. Tomava banho frio. Quando me disseram que eu vinha para cá, fiquei com medo. Me senti insegura. E se fosse pior e estivessem me enganando, dizendo que seria melhor para mim? Quase não acreditei quando vi esse lugar, os alojamentos, os brinquedos para as crianças. As agentes são gentis. Participei de um curso para cuidar melhor do neném. Posso passear com ele, sair para o pátio a qualquer hora. Fico feliz de não ser um presídio qualquer, onde posso criar meu filho. Mas, de qualquer forma, é um lugar fechado. Ele também não tem liberdade que deveria ter por minha causa. Nem penso em ser condenada. Foi tudo um engano. Tenho certeza que saio daqui com meu filho nos braços. Se isso não acontecer, quero que ele fique com a minha mãe até eu cumprir a pena. Enquanto isso, como sou católica, quero batizá-lo logo, mesmo que seja aqui.”
Francislaine Garcia, 19 anos, mãe da recém-nascida Y.
“Estou presa por tráfico de drogas. Me prenderam na casa do meu namorado.
Ele que mexe com isso, vende crack. Mas não vai preso por ter 17 anos. Sobrou para mim. Quando fui para a cadeia já estava grávida. Fiquei com outras detentas, amontoada, quase não tinha banho de sol. Quando me disseram que eu viria para esse centro, senti alívio. Me explicaram que não tinha grades e eu não ficaria trancada com minha filha, poderia ficar na companhia dela o tempo todo num lugar agradável. A única preocupação é que sou de uma cidade do interior, há cinco horas daqui. Estou longe da família, mas aqui é melhor para minha neném. É minha primeira filha. Fiquei emocionada quando ela nasceu. Nunca vou esquecer o chorinho dela na hora. Chorei junto e inda me emociono ao lembrar. E ela é tão calminha. Prefiro não pensar na separação. Acredito que não serei condenada, tenho fé. Se acontecer, quero que a guarda da Y. fique com minha tia que me criou. Além de cuidar dela, passo o tempo lendo romances. Um dia vou fazer psicologia e escrever um livro, talvez sobre essa experiência. Estou separada do meu namorado. Ficamos quase dois anos juntos, mas nos distanciamos durante a gravidez. Saindo daqui, não volto com ele. Não quero a vida que ele quer.”
Wagnéia Aparecida Silva, 29 anos, mãe de M. L., 1 ano e dois meses
“Fui uma das primeiras detentas a chegar aqui, em janeiro. Me prenderam no sexto mês de gestação. Minha pena é de 11 anos, por tráfico de drogas. Mas graças ao meu bom comportamento e a minha vontade de trabalhar na prisão, terei redução da pena. Quando meu marido morreu, não sabia como poderia ganhar a vida. Fui representante de vendas. Mas depois que fiquei viúva, faltou dinheiro, me desesperei. Amigos disseram que eu poderia me dar bem no crime. Não sou criança, sei que não era certo, só que tudo estava muito complicado para mim. Tinha meu filho para criara. Hoje ele tem 11 anos. Meu marido nunca foi criminoso. Era trabalhador, encarregado de obras. Com o pai
de M. L. estou há três anos. Também foi preso, mas porque estava em casa comigo e sabia que eu traficava. Na cadeia sofri muito. Passava mal por causa da gravidez e ninguém ajudava. Em cadeia pública gestante não tem direito a nada. Dormia no chão. Mas a M. L. já nasceu no Estevão (Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto), onde tem uma ala para gestantes e crianças. É parecido com o centro de referência, tem condições melhores, mas é dentro do presídio. Quando cheguei aqui achei que estava numa creche. Foi até melhor do que eu esperava. Tem os cursos como o de auxiliar administrativa que nos ajudar a ter uma chance no mercado de trabalho na hora que sair da prisão. A Alimentação é saudável, a comida é saborosa. Os remédios das crianças são dados em horários certos. É uma estrutura que me ajuda a criar melhor minha filha e também me preparar para a ressocialização lá fora. Aqui, aprendi a ter mais disciplina. também me sinto menos stressada. Minha filha ficará com minha irmã. Ela está com mais de 1 ano e continua aqui porque o processo da guarda está atrasada. Mas ela já vai embora dia 20. Procuro não pensar muito nisso. Estou fazendo um acompanhamento mais regular com a psicóloga para me preparar. Não há, porém, tratamento para aceitar a dor de perder um pedaço da vida. Vai doer muito, mas é a realidade, não dá para fugir. Quando ela sair, vou embora também. Serei encaminhada para uma penitenciária. Poderia ir para a Estevão, que é um bom lugar para ficar. Mas vou optar por estar numa cidade próxima a minha família. Pode não ser um local inferior a esse aqui. Mas minha expectativa é poder trabalhar para reduzir minha pena e juntar algum dinheiro que me ajude a recomeçar a vida. Também ajuda a ocupar a cabeça. Junto com minha filha, não vi o ano passar. Mas sem ela, sei que dois meses parecerão de 2 anos. Estou muito arrependida, de verdade. E hoje tenho vergonha do que fiz.”
Taciana Pereira, 21 anos, mãe de J., nove meses
“Minha pena por tráfico é de nove anos. É a segunda vez que sou presa. Mas vou conseguir redução de pena. Nunca fui bandida. Comecei a sair de casa para me distrair porque não tinha paz com meus pais brigando. Fiz amigos que eram do crime. E o crime é gostoso. Te dá poder, vem o dinheiro, você começa a não precisar dar satisfação e nem pedir nada. Hoje, sei que era uma ilusão. Eu usei e vendi drogas, desde os 13 anos, mas meu forte era namorado bandido. Só que uma vez relacionada com um deles não dá mais para sair do esquema, ou perde a cabeça. É bom ser mulher do patrão da favela. Todo mundo te respeita. Eu soube que estava grávida de um mês já na cadeia pública (esse lugar foi desativado). Emagreci seis quilos porque quase não tinha comida e água. As presas eram ruins, violentas. Eu dormia com outras quatro detentas no chão, dividindo um colchonete. Fiquei lá um mês e já fui para o Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, que tem infraestrutura para receber gestantes. Cheguei aqui grávida de nove meses e minha filha foi a primeira a nascer no centro. Tenho conforto, podemos ser mães de verdade, cuidar dos nossos filhos, quase não vê a pena passar. Mas presídio é tudo igual. É
privação da liberdade. E a criança também tem, logo que nasce, a privação dessa liberdade. É ruim saber que minha filha está nessa situação por minha culpa, mas também é bom acompanhar esse início do desenvolvimento dela. Toda hora penso no momento que ela for embora. Choro mesmo. Não existe se preparar para se separar de filho. Quero refazer minha vida com trabalho. Por isso, fiz todos os cursos que ofereceram aqui para aprender o máximo de coisas. Hoje, sei que aqueles amigos do passado não eram amigos de verdade. Preciso de uma mudança radical de vida. Não adianta dinheiro no bolso se não posso ir a lugar nenhum. Dinheiro não compra sofrimento. Minha filha é minha paixão. A única coisa boa que fiz até agora na vida.”
* Foram colocadas as iniciais das crianças para preservar a identidade delas