Em 2002, quando disputou uma cadeira do Senado, o então deputado Duciomar Costa (PTB-PA) usou em sua propaganda política a biografia de homem simples: ex-motorista, ex-jornaleiro, ex-feirante e ex-camelô. Poderia, naquela ocasião, ter adicionado um outro “ex” em seu currículo: ex-condenado. Em 1994, a Justiça Federal do Pará o julgou culpado pelo crime de charlatanismo, pois se fazia passar por oftalmologista sem nunca ter cursado uma faculdade de medicina. Graças a um diploma que a Universidade Federal do Pará assegura jamais ter emitido, ele fazia consultas e receitava óculos em uma óptica de sua propriedade. Só não foi parar atrás das grades porque um recurso caminhou como tartaruga no Tribunal Regional Federal, em Brasília, e a pena prescreveu. Apesar desses antecedentes, e com o apoio do governador Simão Jatene (PSDB), Duciomar ganhou a eleição. Não há notícias de que, como senador, ele continue a receitar óculos, mas sua parceria com o governador se fortaleceu e não é preciso sequer uma lupa para enxergar com nitidez como os dois têm tratado o dinheiro público. Duciomar se especializou em apadrinhar obras fantasmas pagas integralmente pelo governo do Estado.

Apenas em 24 de março de 2003, o senador encaminhou meia dúzia de ofícios à Secretaria dos Transportes do Pará reivindicando a manutenção e correção de pontos críticos em seis estradas vicinais do Pará, ainda em chão de terra batida. Os pedidos foram acolhidos pelo governo, que promoveu a licitação das obras através de cartas-convite – uma forma de concorrência em que o Executivo estipula o valor máximo a ser pago pela obra e convida três ou mais empresas a apresentarem propostas. Os seis pedidos feitos pelo senador foram entregues a uma mesma empresa, a Construtora e Prestadora de Serviços Gerais S. Galvão Ltda. – CSG. Nos documentos arquivados na Secretaria dos Transportes está comprovado que até dezembro do ano passado os contratos renderam R$ 567.074,50 à CSG. Apesar do pagamento integral, as obras nunca foram executadas.

Flagrante – “Vivo aqui há 12 anos e nunca vi máquina de construtora nenhuma melhorando a estrada. Quando chove só dá para sair no lombo do burro ou a pé”, diz Hermes Rocha Silva, colono em uma fazenda situada no quilômetro 18 da vicinal que liga o centro de Eldorado dos Carajás à região de Água Fria. A pedido do senador Duciomar, a CSG recebeu R$ 122 mil para recuperar a estrada e corrigir seus pontos críticos. Na semana passada, ISTOÉ conseguiu percorrer apenas 19 dos 45 quilômetros da estrada – os demais só poderiam ser acessados por tratores. Não há nenhum sinal de que a estrada tenha passado por obras de recuperação. Todas as pontes estão em condições precárias. Apenas em pequenos aclives se percebe que há poucos dias foi passada alguma máquina. “Quando a coisa fica muito difícil, nós pagamos o óleo e algum fazendeiro da região empresta o trator para dar uma melhoradinha”, explica o colono Hermes.

Às margens desta estrada estão duas escolas municipais e dezenas de pequenas propriedades agrícolas, onde vivem cerca de 800 pessoas. O fazendeiro que
tem ajudado a manter a estrada é o pecuarista Magleano Carvalho. “Aqui há
mais de quatro anos ninguém ajuda. Nem o governo do Estado nem a prefeitura.
Eu é que tenho colocado minhas máquinas para procurar manter alguma
condição de uso na estrada”, confirmou Carvalho a ISTOÉ. Segundo ele, são
gastos R$ 1 mil por quilômetro recuperado. Nesse caso, se fosse arrumar os
45 quilômetros da estrada, seriam gastos R$ 45 mil, quantia bem inferior aos
R$ 122 mil pagos à CSG, que nada fez.