14/09/2020 - 11:34
O cheiro de queimado e o brilho das chamas dominam a paisagem noturna no último trecho da rodovia Transpantaneira, na região norte do Pantanal (Mato Grosso), um paraíso de biodiversidade parcialmente reduzido a cinzas.
Felipe Maia, funcionário de um hotel do que até agora era uma próspera área de ecoturismo, tenta com uma grossa mangueira conter o avanço do fogo sobre uma das inúmeras pontes de madeira que permitem a travessia dos rios desta estrada de terra firme de 150 km, que vai de Poconé a Porto Jofre.
No entanto, com a seca mais severa em 47 anos, os córregos estão secos e as queimadas – comuns nesta época do ano – fora de controle.
Cerca de 23.500 km2, quase 12% dessa planície aluvial – cuja maior parte se encontra no Mato Grosso do Sul -, foram consumidos pelo fogo desde o início do ano.
“Todos os dias passamos pela estrada e observamos qual o mais próximo para pegar fogo e jogamos água” na ponte para evitar que se incendeie com as faíscas, conta Maia à AFP depois de encharcar um desses trajetos, a poucos metros de uma área com vários montes em chamas.
Além dos bombeiros, várias equipes de vizinhos, funcionários, proprietários de fazendas-pousada e guias turísticos “vigiam” as pontes dia e noite.
“É triste. Estamos passando por um grande problema da pandemia [de coronavírus], que no Brasil durou mais que o esperado, e esperávamos que esse ano pudéssemos trabalhar com turismo, mas chegaram os incêndios”, lamenta Roberto Carvalho Macedo, guia da região que participa do monitoramento.
Os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectaram entre janeiro e 13 de setembro 14.764 focos de incêndio no lado brasileiro deste bioma, um aumento de 214% em relação ao mesmo período de 2019 e um número que já superou o de todo 2005, que era até agora um ano recorde.
– Animais em “estado crítico” –
Macedo pilotou a lancha na qual uma equipe da AFP percorreu parte do Parque Estadual Encontro das Águas, uma grande área inundada localizada no final da Transpantaneira.
Rodeada por vários rios, concentra uma grande variedade de animais: aves, jacarés, capivaras, tamanduás e o maior felino das Américas, a onça-pintada.
Uma equipe de veterinários, biólogos e a jovem guia local Eduarda Fernandes Amaral passaram o domingo em busca de uma espécime ferida pelo fogo. A onça, no entanto, não foi vista.
“Todos os animais que resgatamos até agora estão em estado muito crítico, alguns com exposição de falanges”, explica Amaral, que instala bebedouros e cestas com frutas para os animais que conseguiram sobreviver ao fogo e correm risco de morrer de fome ou desidratados.
Em vários trechos, a escuridão das árvores e arbustos carbonizados contrasta com a vegetação verde das margens do rio.
Amaral afirma que ainda não é possível saber quantos animais morreram, mas estima que serão perdas enormes.
“Espero que isto que está acontecendo abra os olhos das pessoas e entendam que a biodiversidade do Pantanal é única. Precisamos conservar isso, é muito precioso”, pede.
– Causas e efeitos –
O desastre do Pantanal se deve, em primeiro lugar, a uma seca excepcional. Entre janeiro e maio, a temporada úmida, caiu apenas metade da chuva esperada e muitas áreas não chegaram a ser inundadas, como ocorre nessa época do ano.
Mas apenas a seca não explica tudo.
Segundo o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro, do Instituto Centro de Vida (ICV), “a substituição de plantas nativas por pastagens exóticas” fragilizou a resistência da vegetação.
As responsabilidades também apontam para o enfraquecimento de órgãos de controle ambiental desde a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder.
Segundo Silgueiro, a prática das queimadas para limpar o terreno se mantém devido à “sensação de impunidade” que prevalece, por conta da “falta de recursos dos órgãos públicos de proteção ambiental”.
Na Amazônia brasileira, onde os incêndios ocorrem em sua grande maioria devido a atividades ilegais, foram detectados neste ano 62.627 focos, 10% a mais do que no mesmo período do ano passado e um recorde desde 2010.