14/09/2020 - 12:59
Quem me vê por horas e horas admirando obras de arte nos museus, mal acredita que aquela pessoa calma e tranquila sou eu. A arte me leva para universos paralelos e emoções, em uma viagem que dói no coração quando escuto os seguranças falando que é hora de fechar. Não sei dizer quantos centros de arte visitei na vida, mas certamente passei praticamente a maior parte do meu horário de lazer e das férias de minha vida adulta admirando arte.
Minha técnica para visitar museus é simples: seleciono meus artistas preferidos e vou direto para ver suas obras. Fico lá, enchendo meu coração de alegria e meus olhos de emoção, sem pressa. Quando me canso, vou para o restaurante ou para o café do museu para recarregar energias e conseguir explorar por completo o acervo permanente e as exposições temporárias. A boa forma física que mantenho não é suficiente para encarar as maratonas culturais que me submeto. Para dar uma dimensão do cansaço que estou falando, cito como exemplo o The Metropolitan Museum of Art (The Met), que possui 2 milhões de obras. Quem dedicar um minuto para cada obra precisará de 3,8 anos para conseguir ver superficialmente o acervo.
Agora na quarentena, para não sofrer de abstinência cultural, virei uma rata digital de museus. Já que não posso viajar para a Europa, visitei de forma online o Museo Nacional del Prado, que acaba de abrir fisicamente suas portas após a pandemia. Achei que as descobertas desta semana seriam boas, mas confesso que o Prado superou -e muito- minhas expectativas. Os curadores marcaram um gol de placa contra outros museus do mundo, que ainda não conseguiram se adaptar ao “novo normal” do mundo das artes.
Segui no ambiente digital a mesma técnica que utilizo no mundo real: comecei pelas alas que eu amo e depois me deixei levar rumo a novas surpresas. Comecei pela Sala 12 (XII), a minha predileta (Risos!) por expor a obra-prima “As Meninas”. Para minha surpresa, o local foi totalmente redesenhado para acomodar, de forma inédita, diversas obras de Diego Velásquez que estavam em outras alas do museu. Observe o vídeo publicado no Instagram do Museu do Prado. Pela primeira vez, a Sala reúne 17 pinturas do artista em um único ambiente, mostrando a narrativa de seus retratos e de seu trabalho no registro da realeza e da corte espanhola. A Sala 12 ganhou ainda mais vida com as telas dos ‘Bufones’, palhaços que eram responsáveis pelo entretenimento da corte e dos reis.
“As Meninas” é uma das pinturas mais importantes na história da arte ocidental. Por ser enigmática e complexa, é uma das mais estudadas do mundo. Mistura realidade e ilusão ao retratar o aposento real e várias figuras da corte espanhola, representadas em diferentes ângulos, como se fossem parte de uma grande fotografia. A jovem infanta Margarida Teresa, com cinco anos, está cercada por seu cãozinho, por duas anãs e um séquito de damas de companhia em uma obra repleta de elementos e de pontos de fuga. Até o próprio Velázquez aparece na pintura, trabalhando em uma grande tela, e olhando para quem admira a obra. Em segundo plano, um espelho de fundo reflete imagens do rei Filipe e da rainha Mariana, como se eles estivessem apenas observando a cena. Esse quadro foi estudado por todos os principais artistas do mundo e Picasso chegou a fazer uma releitura da obra para homenagear Velásquez.
Para quem nunca teve a oportunidade de visitar pessoalmente o Museu do Prado, vale comentar que era um local enorme, mas com obras mal distribuídas fisicamente. Agora, com a reorganização do acervo, o imenso corredor central, com suas salas integradas, está expondo cerca de 250 obras primas que antes ficavam espalhadas por todos os cantos, consumindo literalmente longas caminhadas e uma boa sola de sapato para encontrá-las.
O museu reabre as portas com 214 obras na exposição “O Reencontro“, que acontece até novembro deste ano para um terço da capacidade de visitantes que era permitida antes do Covid-19 (1.800 pessoas ao dia). Portanto, imagino a satisfação dos felizardos que estão conseguindo ingressos para ver ao vivo e em cores a brilhante integração das pinturas. Agora é possível ver lado a lado os autorretratos de Dürer e Tiziano; as representações de Saturno de Rubens e Goya; “A Descida da Cruz“, de Rogier van der Weyden; e “Anunciação“, de Fra Angelico.
O Museu do Prado está de parabéns também pela homenagem que fará para as mulheres. O museu decidiu usar fundos próprios (sem patrocinadores) para a exposição ‘Convidados’, que estreia em outubro com o propósito de discutir o papel da mulher no ambiente artístico espanhol do século XIX e nos primeiros anos do século XX.
Foi explorando cada metro do Museu do Prado que tive uma grande emoção. Há alguns anos, achei uma portinha sem identificação. Por curiosidade, entrei por essa passagem que era equipe técnica e vi na parede a Mona Lisa mais jovem. Fiquei hipnotizada, quase em choque, conseguindo movimentar apenas meus olhos por toda a pintura. Sabia que Leonardo da Vinci tinha muitos discípulos, mas não fazia ideia de que um deles (provavelmente Salaí) tinha feito o mesmo retrato, porém com a madona mais jovem. Pintada a óleo sobre um painel de nogueira, a pintura não tem a técnica do sfumato. Estava com a paisagem inacabada e o rosto diferente em relação ao quadro original que está no Museu do Louvre. Vinte minutos depois, os portões foram abertos e uma multidão de pessoas invadiu o ambiente. Sinceramente, aquela muvuca não me incomodou. Já tinha sido premiada com a tela só para mim, em um desses presentes que a vida nos dá apenas quando estamos abertos a novas experiências.
Que o Museu do Prado ajude todos a redescobrirem a arte em suas vidas. A viagem por esse universo é, realmente, fascinante. Se alguém desejar compartilhar uma boa história, estou no Instagram Keka Consiglio ou no Twitter.