O presidente Jair Bolsonaro sancionou no começo da tarde de hoje o novo marco do saneamento básico. Vetou, no entanto, onze dispositivos, entre eles e especialmente o artigo 16. A decisão deixou os parlamentares atônitos. O artigo 16 foi indispensável na aprovação do projeto. Havia um acordo para que fosse mantido. Mais uma vez, o presidente comprou briga com o Congresso. São grandes as chances de o veto ser derrubado. Mas desta vez Bolsonaro acertou. Vamos repetir e comemorar: Bolsonaro acertou. É raro, mas acontece.

O artigo permitia a Estados e municípios atrasar por 32 anos a licitação dos seus serviços de saneamento. Como bem observa o veto, isso significaria frustrar um dos principais objetivos da nova legislação. A lei foi feita para chacoalhar um sistema que ainda hoje deixa 35 milhões de pessoas sem acesso a água e outros 104 milhões sem coleta de esgoto no Brasil. O artigo 16 daria uma sobrevida de mais de três décadas a esse modelo que, mais que ineficiente, se tornou perverso.

Foi sobretudo a pressão de governadores que plantou o artigo 16 no projeto de lei. Embora seja papel dos municípios prover saneamento no Brasil, desde os anos 1970 essa tarefa acabou sendo delegada a grandes empresas mantidas pelos Estados. Elas atendem as cidades por meio de convênios e contratos dispensados de licitação, e nos quais há um altíssimo grau de informalidade. A intenção era enquadrar esses contratos antigos nos parâmetros estabelecidos pelo novo marco e fazê-los valer até a década de 2050.

Por quê? Os governadores podem dar motivos nobres, mas os motivos mundanos explicam melhor a questão. As estatais de saneamento são ferramentas de poder político, por meio das quais é possível empregar ou atender a clientela. Os governadores têm medo de perder esse poder, por mais que afirmem querer evitar a “privatização da oferta de água” e coisas do gênero.

Licitar os serviços de saneamento significa abrir margem para a competição. Quem cumprir os requisitos do edital participa. Por isso, o marco favorece a participação da iniciativa privada no setor.

Mas, ao contrário do que afirmam os críticos do novo sistema, empresas estatais não estão excluídas do jogo de antemão. Podem participar do processo e vencer – desde que sejam eficientes e tenham capacidade de se capitalizar para investir, é claro. Não é fácil, mas há estatais no Brasil que conseguiram dar esse salto, como por exemplo a Sabesp, de São Paulo.

O Congresso pode derrubar os vetos de Bolsonaro. Mas, desta vez, o ônus da explicação ficará com deputados e senadores. Terão de dizer aos brasileiros carentes porque desejam se apegar a um modelo falido por mais três décadas, em vez de tentar o novo.