10/07/2020 - 9:30
Em todo o mundo, mais do que nunca, as vidas negras importam. O ano de 2020 já pode ser considerado um marco contra o racismo. O brutal assassinato do americano George Floyd, morto por um policial branco em Minneapolis, nos EUA, em maio deste ano, foi o estopim para que o movimento ganhasse proporções mundiais como não acontecia desde o movimento pelos Direitos Civis liderado por Martin Luther King nos anos 1960.
O movimento chegou até a um universo que sempre pareceu alheio aos problemas externos, fora das pistas. No último domingo, 5, o GP da Áustria marcou o reinício da Fórmula 1 e foi palco de uma manifestação promovida pelo pentacampeão da competição e um dos únicos negros na história da categoria, o inglês Lewis Hamilton. Os 20 pilotos usaram camisas com mensagens anti-racismo — antes do início da corrida, 14 deles se ajoelharam, gesto que simbolizou o apoio à causa. Com mais de 28 milhões de fãs na internet, Hamilton usa sua influência para promover a campanha ‘We Race as One’ (Nós Corremos Como Um). Entre novembro de 2019 e janeiro de 2020, o jogador Mario Balotelli foi vítima de episódios de racismo no campeonato italiano, com torcedores da Lazio e do Hellas Verona imitando sons de macaco. As ofensas vieram até do próprio presidente do Brescia, clube do craque. “Ele é negro, o que devo dizer? Está trabalhando para se clarear, mas está com dificuldades”, ironizou Massimo Cellion em uma coletiva de imprensa.
Um grupo formado por jogadores italianos negros protestou e a liga emitiu uma nota, se desculpando. “Sem justiça, sem paz”, publicou Balotelli em uma rede social. O jogador de basquete LeBron James é um ídolo dentro e fora das quadras da NBA, a liga americana. Com cerca de 137 milhões de seguidores nas redes sociais, assumiu o papel de líder de uma geração de esportistas. O camisa 23 do Los Angeles Lakers é símbolo da luta contra o racismo dentro de um campeonato onde há mais de 70% de jogadores negros. Em 2018, foi atacado pela apresentadora de TV Laura Ingraham, da Fox News, após opinar sobre ações do presidente Donald Trump. “LeBron deveria calar a boca e apenas jogar basquete”, disse a âncora. Inspirado por Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano da NFL que se ajoelhou durante o hino nacional para protestar contra a violência policial que atingia os negros no país, LeBron respondeu a ofensa criando a campanha “Eu sou mais que um atleta”. Hoje, o movimento conta com nomes como a tenista Serena Williams e o jogador Kylian Mbappé. A representatividade é apontada como fator fundamental para a mudança, segundo especialistas. “Quando estrelas do esporte ou artistas se posicionam politicamente, atingem grupos que não acompanham política, o que gera reflexões e pensamentos sobre esses temas”, afirma Rosane Borges, pesquisadora e pós-doutorada em Ciências da Comunicação. Para amplificar o poder de sua voz, Lebron James acaba de negociar o investimento de US$ 100 milhões para a criação de uma empresa de mídia com o objetivo de dar voz aos menos favorecidos e exaltar a comunidade negra. Além disso, através da ONG “Fundação da Família LeBron James”, criou a instituição de ensino Eu prometo’, escola com suporte gratuito para mais de 200 crianças carentes em Akron, Ohio, seu estado natal.
Fama e ativismo
Surpreendendo até seus fãs, Kanye West, rapper e empresário norte-americano, afirmou que vai concorrer ao cargo de Presidente dos Estados Unidos em 2020. Depois de Barack Obama, o músico e produtor sonha em ser o segundo representante negro no mais alto cargo político no país. A data do anúncio de sua candidatura foi simbólica: 4 de julho, Dia da Independência dos EUA.
O apoio do cantor a Donald Trump chocou a comunidade negra americana. Acostumado a polêmicas, o artista garante agora que rompeu com o presidente e, embora guarde afinidades com o partido republicano, afirmou que será um candidato independente.
Mesmo sem a candidatura 100% confirmada, Kanye já possui apoio dos fãs e até de bilionários como o empresário Elon Musk. “Os influenciadores digitais negros iniciam micro-revoluções em seus canais de mídia ou lugares de fala, e esse movimento viraliza”, aponta Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta e empresária de sucesso no Brasil. “As pessoas querem ser como seus ídolos”, completa Rosane Borges. Conhecida mundialmente, a cantora Beyoncé é um símbolo de empoderamento para seus mais de 100 milhões de seguidores. Em 2016 durante a final do Super Bowl 50, assistido por mais de 112 milhões de telespectadores, ela apresentou a música “Formation”, cuja letra retrata as mazelas do racismo nos EUA. Vestida de preto e com uma coreografia em forma de “X” , referência ao ativista Malcolm X, foi a maneira que Beyoncé encontrou para espalhar uma mensagem cada vez mais universal: o mundo não aceita mais o racismo.
Muhammad Ali, gigante da política
Considerado um dos maiores nomes da história do Boxe, Muhammad Ali não era um gigante apenas nos ringues. Batizado como Cassius Marcellus Clay Jr, o norte-americano tornou-se campeão olímpico com apenas 18 anos, em 1960. Mesmo sendo um atleta de elite e acumulando vitórias em seu cartel, Clay não conseguiu se esquivar do racismo. Aos 22 anos, converteu-se ao islamismo e mudou seu nome de batismo, defendendo que era “seu nome de escravo”, para Muhammad Ali. Em 1967, Ali se recusou a servir ao exército para lutar na Guerra do Vietnã, afirmando que combater o racismo nos EUA era mais importante. O gesto custou sua licença como lutador, mas o tornou um símbolo na luta racial. Três anos depois de seu afastamento, voltou aos ringues, ganhou títulos mundiais e cravou seu nome como ativista e um dos maiores atletas da história.