O professor de teoria musical do Conservatório de Milão, Pasquale Bona (1808-1878), definiu a música como “a arte de manifestar os mais diversos afetos da nossa alma mediante o som”. Apreciada nas mais diversas situações, as melodias musicais nos envolvem de forma tão intensa que acabam nos remetendo a personagens e memórias afetivas. Do ponto de vista da física, no entanto, a música nada mais é do que um padrão de ondas sonoras que se propagam no espaço. Sob esse prisma, uma nova tecnologia promete uma revolução na experiência de ouvir música e sons de maneira geral: o 8D.

“Essa nova tecnologia dá a sensação de que o som está rodando em volta da cabeça” Pedro Baapz, músico (Crédito:Divulgação)

Estamos acostumados a escutar sons de maneira linear, ou seja, em um formato onde o som é dividido em dois canais, o esquerdo e o direito. É o chamado efeito “estéreo”, uma simulação do sistema de percepção dos nossos ouvidos. No caso do áudio em 8D a manipulação das ondas dá a impressão de que o som surge de vários lugares e percorre diversos caminhos neurológicos, não apenas a partir de dois emissores. É uma experiência mais próxima do impacto acústico que sentimos em uma sala de cinema, por exemplo. Com fones de ouvido, o som 8D cria uma sensação imersiva onde é possível sentir a música, não apenas ouvi-la.Para o Para o engenheiro de som Maurício Gargel, o som 8D é uma nova fronteira na maneira como pensamos em áudio. “O sistema altera os elementos da reverberação das ondas e a forma como elas chegam aos ouvidos, dando sensação de que o som ocupa um espaço físico”, afirma. “A mixagem 8D envolve a cabeça do ouvinte, formando uma ambiência própria”, diz Rodolfo Marcial, DJ dos estúdios Kondzilla Records. O DJ ressalta a importância da utilização de um equipamento adequado para aproveitar todas as nuances. “Só é possível aproveitar todo o efeito com um sistema de som surround que proporciona melhor ambientação ou um fone de ouvido do tipo que envolve toda a orelha,”, explica.

ORIGEM

O som multidimensional foi inventado em 1980 pelo engenheiro de som argentino Hugo Zuccarelli. Ele acredita que escapou da morte na infância graças à boa audição, que o levou a desviar de um carro em alta velocidade. Após sua graduação na Politécnica de Milão, estudou a fisiologia humana para criar um tímpano artificial que funcionasse como microfone. A partir daí, criou uma espécie de “cabeça-microfone” e batizou a engenhoca de “Ringo”. A homenagem não foi ao baterista dos Beatles, como era de se esperar, mas ao compatriota Óscar “Ringo” Bonavena, pugilista e ídolo na juventude. O engenheiro se aventurou pela indústria da música e o mercado cinematográfico até chegar à NASA, a agência espacial americana.

Artistas utilizam sistemas de som em formato 8D em estúdio há anos, como é o caso de “The Final Cut”, lançado pelo Pink Floyd em 1983. Na música que batiza o álbum, é possível ouvir tiros e latidos de cachorro que soam “fora” da gravação, efeito sonoro que chamou a atenção do público. Um tipo de gravação semelhante, chamada de “binaural”, foi utilizada pelos Rolling Stones no álbum ao vivo “Flashpoint”, de 1991. O efeito dá a impressão de que o ouvinte está no show, bem no meio do público. A grande diferença é que agora, com o avanço da tecnologia dos videogames e sistemas de áudio, o formato 8D está acessível a todos, não apenas aos artistas que gastavam milhões para simular o efeito em estúdio. Na internet, é possível testar a experiência no Youtube, em canais como 8D Tunes, Era e Soundee. O músico mineiro Pedro Baapz lançou a música “Viajante do Tempo” no formato 8D porque queria envolver o ouvinte. “Tentei criar uma maneira para que o som ficasse circulando ao seu redor”, diz. Para sentir o que essa experiência sensorial pode proporcionar, é só escolher um ambiente silencioso, uma cadeira confortável e um bom par de fones de ouvido. O único problema é que, depois de ouvir o áudio do futuro, será difícil se acostumar com os sons do presente.