26/05/2020 - 11:43
Negação da gravidade do coronavírus, declarações grosseiras, falta de empatia, obsessão com a economia e a cloroquina. O presidente Jair Bolsonaro não se contenta em seguir os passos de seu ídolo, Donald Trump. Ele foi além.
Se em fevereiro, para o presidente americano, o vírus “desapareceria com a volta da primavera”, Bolsonaro denunciou em março o que chamou de uma “histeria” por causa de uma “gripezinha”.
Assim como em Washington, a negação prevaleceu em Brasília, embora a Covid-19 começasse a semear mortes nas favelas superpopulosas do Rio de Janeiro e até na Amazônia.
Hoje, Estados Unidos e Brasil são os dois países com mais casos de contaminação e têm perto de 100.000 mortos (o primeiro) e 24.000 (o segundo).
Jair Bolsonaro continua a provocar aglomerações e sem usar a máscara que o colega americano se recusa a usar em público. O primeiro pratica jet-ski, enquanto o segundo joga golfe.
Em Brasília, “o Trump dos trópicos” também provocou consternação com a falta total de empatia pelas vítimas da pandemia e as sugestões surreais para combater o vírus, que é preciso “enfrentar como homem, não como moleque”, como disse no fim de março.
Assim como Trump antes de mudar de tom sobre a doença, Bolsonaro foi muito criticado no Brasil pela incapacidade de oferecer um plano de combate à pandemia, transformando-a em uma questão política que dividiu o país.
Tanto Bolsonaro quanto Trump, líderes de federações, entraram em confronto como governadores dotados de poderes sobre a saúde pública, que – segundo o presidente brasileiro – impõem “a tirania do isolamento total”.
Sobretudo João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, aos quais tratou de “bosta” e de “estrume”, durante um conselho de ministros, cuja gravação em vídeo provocou um escândalo.
Bolsonaro e Trump “seguiram a mesma estratégia de se distanciar da crise econômica que virá e culpar outros agentes políticos, como os governadores”, explica Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.
– “A fome e a miséria” –
Quando Trump evocou o “vírus chinês”, Bolsonaro deixou seu chanceler conspiracionista e algumas centenas de manifestantes anticomunistas denunciarem um “comunavírus”.
E quando o presidente americano ameaçou cortar o financiamento à Organização Mundial da Saúde, Bolsonaro acusou a OMS de fomentar a “masturbação” e a “homossexualidade”.
“Esta necessidade de encontrar inimigos é ‘trumpista’, mas existe uma tradição populista autoritária de buscar bodes expiatórios (…) para não assumir a responsabilidade” sobre uma crise, revela Stuenkel.
Expressando o mesmo desprezo de Trump pela ciência, Bolsonaro generalizou o tratamento com as polêmicas coloroquina e hidroxicloroquina, enquanto o inquilino da Casa Branca revelou recentemente tomar esta última preventivamente.
A cloroquina custou a pasta de dois ministros da Saúde em um mês e é uma obsessão para Bolsonaro, assim como a volta da população ao trabalho. Como também defende Trump.
Ecoando o apelo de “reativação da América”, defendida por Trump, Bolsonaro insiste em que “o Brasil não pode parar” sem sofrer com “a fome e a miséria”.
“Bolsonaro, assim como Trump, não quer ser responsabilizado por uma quebra econômica”, diz Juliette Dumont, catedrática do Instituto de Altos Estudos sobre a América Latina, em Paris.
Trump disputa a reeleição em novembro e Bolsonaro em 2022. Ambos contam com a economia para impulsionar suas campanhas.
Mas o presidente brasileiro tem perdido apoio fora dos círculos de apoiadores incondicionais, dos quais depende cada vez mais.
“Há semelhanças impressionantes, um alinhamento completo e inédito com os Estados Unidos na História do Brasil. Mas há uma diferença”, avalia Dumont. “Trump foi obrigado a mudar de opinião, enquanto Bolsonaro persiste”.
“Mesmo que ele seja um pouco menos negacionista, porque as cifras são claras, ele [Bolsonaro] não volta atrás”, continua. “Ele pôs como ministro interino da Saúde um militar que não conhece nada do assunto. É eloquente”.
– Ameaças de impeachment –
“Bolsonaro é bem mais irresponsável que Trump”, afirma Stuenkel. “Ele minimiza a crise permanentemente”.
Trump sobreviveu a um processo de impeachment em fevereiro, enquanto Bolsonaro enfrenta 35 pedidos de julgamento político na Câmara dos Deputados, alguns por sua gestão da crise de saúde.
Mais Bolsonaro tem contra si “uma oposição quase inaudível”, destaca Dumont, que evoca também “contrapoderes menos eficazes” do que os dos Estados Unidos.
“Bolsonaro tem muito mais liberdade que Trump, que é muito mais contido pelas instituições e deve ser mais presidencial”, afirma Stuenkel.