23/05/2020 - 7:45
O Palácio do Planalto reagiu em tom de ameaça à decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, de encaminhar para análise da Procuradoria-Geral da República pedido de apreensão dos celulares do presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Na tarde de ontem, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), assinou uma nota afirmando que se o pedido “inconcebível e inacreditável” for aceito poderá ter “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
A “Nota à Nação Brasileira”, como o comunicado foi chamado por Heleno, foi autorizada pelo presidente e chancelada pelos ministros militares que despacham no Planalto. “Eu olhei e falei: ‘o senhor fique à vontade'”, relatou Bolsonaro numa entrevista na noite de ontem. “Agora, peraí: um ministro do STF querer o telefone funcional de um presidente da República que tem contato com líderes do mundo… tá de brincadeira, comigo?”, emendou.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, também endossou a nota antes da divulgação. “A simples ilação de o presidente da República ter de entregar o seu celular é uma afronta à segurança nacional”, afirmou ao Estadão.
Em reação ao Planalto, o gabinete do ministro Celso de Mello divulgou nota para observar que as críticas do governo foram precipitadas, pois ele limitou-se a encaminhar ao procurador-geral, Augusto Aras, pedido de apreensão dos aparelhos feito pelo PDT, PSB e PV no âmbito do inquérito que apura denúncias do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. “Vê-se, portanto, que o Ministro Celso de Mello nada deliberou a respeito nem sequer proferiu qualquer decisão”, informou.
Na nota que gerou a mais recente crise entre os poderes, Heleno escreveu que o pedido de apreensão do celular do presidente é “inconcebível” e “inacreditável”. “Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro poder, na privacidade do Presidente e na segurança institucional do País”, ressaltou. “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.”
A reação ao ministro do GSI dominou as redes de políticos e militantes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a nota de Heleno prejudica a estabilidade do País. “Não pode ter ameaça ou agressão, porque isso fragiliza a relação com as instituições”, disse Maia.
Por sua vez, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz ressaltou o “anacronismo” do general. “Saia de 64 e tente contribuir com 2020, se puder”, escreveu no Twitter. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a fala de Heleno foi desrespeitosa e autoritária. Já o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), escreveu que nenhuma autoridade está imune a investigações ou acima da Lei.
‘Intromissões’
Militares de fora do Planalto ouvidos pelo Estadão se queixaram das “constantes intromissões” do Judiciário em decisões do Executivo. Eles avaliaram que há um “nítido” objetivo político de atingir o governo e o presidente.
Ainda pela manhã, Carlos Bolsonaro já se manifestava no Twitter contra Celso de Mello. “Meu celular? (…) Que crime teria cometido para tamanha velocidade e abuso? Nenhum. A narrativa do sistema continua em pleno vapor!”, escreveu.
Com o passar das horas, a temperatura política na Praça dos Três Poderes, que abriga de um lado o Planalto e do outro o Supremo, se elevou ainda mais. Celso de Mello divulgou, pouco antes das 17 horas, o áudio da reunião de Bolsonaro com ministros, no dia 22, em que o presidente teria deixado claro uma interferência na Polícia Federal. Nesse mesmo encontro, Bolsonaro propôs armar a população para evitar contra prefeitos e governadores que decidiram pelo isolamento no combate ao novo coronavírus e chegou a defender o uso das Forças contra outros poderes.
Numa entrevista no começo da noite à Rádio Jovem Pan, veículo de direita, Bolsonaro afirmou que não é “rato” para entregar seu aparelho à Justiça. “Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê?”, disse. Por fim, na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou a criticar o ministro do Supremo. “O que parece que Celso de Mello quer é que fique cozinhando a entrega o meu telefone. Ninguém vai pegar meu telefone. Mais ainda, senhor Celso de Mello, está no Supremo o pedido para abrir o sigilo dos advogados do Adélio. O Brasil quer saber”, disse, referindo-se a Adélio Bispo, que o esfaqueou na campanha de 2018.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.