A disputa pelo controle da Policia Federal virou o centro de uma grave crise no governo e provoca o maior conflito entre poderes desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu. Em jogo está o aparelhamento da força pública, que, para Bolsonaro, é questão de honra e uma necessidade estratégica, e para a democracia brasileira é uma afronta. Como declarou para Moro, Bolsonaro quer alguém que controle na direção-geral da PF. E seu nome é Alexandre Ramagem, ex-chefe de segurança de sua campanha que iria deixar a chefia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e estava a caminho de assumir o novo cargo. Mas, devido a uma liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), quarta-feira 29, o plano de Bolsonaro precisou ser adiado e Ramagem dificilmente terá outra chance. Moraes suspendeu a nomeação argumentando que ela fere os “princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, além de ser uma escancarada tentativa de interferência política na PF.

CONFRONTO O ministro Alexandre de Moraes vetou o nome de Ramagem para a direção-geral da PF (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Amigo pessoal

Embora o presidente tenha partido para o ataque e questionado a decisão de Moraes, alegando que ela representa uma interferência política indevida entre os poderes, ele próprio já decretou a impossibilidade de nomear seu protegido ao declarar para Moro que queria na direção-geral da polícia “uma pessoa de contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações e relatórios de inteligência”. Moro respondeu que “realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação” e pediu demissão. Por sua declarações, Bolsonaro se tornou suspeito para nomear o diretor-geral agora ou no futuro. Como destacou o deputado Alessandro Molon, em entrevista para a ISTOÉ, ficou claro que o plano de Bolsonaro é transformar a PF em uma polícia política, que monitore seus desafetos e esqueça das investigações relacionadas a ele e seus filhos, como a de disseminação de fake news, que envolve o vereador Carlos Bolsonaro, e o esquema das rachadinhas, de apropriação dos salários de assessores, instalado no gabinete de senador Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual. Bolsonaro pretende direcionar a PF para fazer as investigações que lhe interessem e abasteçam o gabinete do ódio controlado por Carlos, que hoje comanda a comunicação do governo. Carlucho, como é chamado, quer o controle dos serviços de inteligência. Mas, como destacou Alexandre de Moraes, “a PF não é órgão de inteligência da Presidência da República”. Dois ministros do STF, Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes defenderam Moraes dos ataques de Bolsonaro. Para Mendes, eles não passam de “censura personalista aos membros do Judiciário”.

A deputada Joice Hasselmann declarou em entrevista para a CNN que a nomeação de Ramagem para a PF seria “uma tragédia”. “Ramagem é amiguinho próximo, baladeiro próximo do Carlos Bolsonaro. São amigos, parceiros de festa, de balada”, disse a deputada. Ela lembrou que, no início do governo, Carlos tentou criar “uma Abin paralela para grampear ilegalmente pessoas, fazer dossiês falsos e para perseguir” e queria, justamente, “emplacar Ramagem como comandante dessa Abin paralela, que foi barrada pelo Gustavo Bebiano e o Santos Cruz à época”. Ramagem acabou comandando a própria Abin, que serve bem ao governo, mas está longe da capacidade operacional da PF. Depois de reagir às acusações de Moro e dizer que a PF “jamais deve ser atingida por interferências políticas”, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) divulgou uma nota, assim que Ramagem foi indicado, em que declarava ver com “tranqüilidade” sua nomeação. “A entidade considera que Ramagem é um policial perfeitamente qualificado para o cargo e tem o respeito da categoria”, informou a nota. Um dia depois, diante da medida de Moraes, a Fenapef disse que “aguardará a reversão da decisão pelo Pleno do STF”. O que se espera é que a decisão de Moraes seja mantida pelo bem da República. As intenções declaradas de Bolsonaro de aparelhar a PF tornam a nomeação de Ramagem no mínimo escandalosa.

O profeta e o servo

O substituto do ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública, o advogado André Mendonça, assumiu o cargo fazendo elogios ao presidente Jair Bolsonaro e prometendo uma atuação técnica à frente da pasta. Mendonça chamou Bolsonaro de “profeta no combate à criminalidade” e se classificou como um “servo”. Sem citar Moro, o novo ministro prometeu aumentar o número de operações da PF.