Por Marina Valentina e Fiorella Valdesolo

Ele pode ser pequeno em tamanho, mas carrega significados muito maiores que o nome engraçadinho do tom ou a embalagem bonita sugerem.

É só dar uma olhada em qualquer um dos diversos papéis que o batom representou ao longo de seus aproximadamente 5.000 anos de vida. Nos tempos elisabetanos (entre meados de 1550 a 1600 d.C.), por exemplo, as mulheres acreditavam que usar batom despistava a morte.

E sufragistas icônicas, como Charlotte Perkins Gilman e Elizabeth Cady Stanton, pintaram seus lábios de vermelho em 1912 para marcharem em prol do direito feminino de voto – o look era considerado uma forma de protesto, o uniforme das mulheres que lutavam por liberdade. 

Mas talvez, de todas as funções que desempenha, a mais potente ainda seja a cura. O batom funciona como um revigorante da autoestima em tempos instáveis. Para pacientes com câncer, muitas vezes serve como um símbolo, mesmo que mínimo, de saúde e vitalidade. “A queda de cabelo e a retirada da mama são fatores que debilitam a confiança da mulher – muitas entram em depressão e param de sair de casa”, conta Sabrina Chagas, oncologista da Oncoclínica, no Rio de Janeiro. Com tantas alterações no visual, olhar-se no espelho pode gerar uma angústia por conta da perda de reconhecimento próprio. “Por isso é importante manter a mesma rotina de antes, incluindo os rituais de beleza, como passar batom. O resgate da autoestima fica visível”, completa Sabrina.

O mesmo efeito de melhora pode ser visto em outras mulheres que passaram por mudanças drásticas no corpo. Em um estudo da Cowen University (Austrália), descobriu-se que o batom pode ajudar mães recentes a se reconectarem com sua feminilidade. “As avaliadas estavam se sentindo assexuadas com o seu novo papel. Ao passarem batom, observamos que elas experimentaram um retorno à sua verdadeira identidade”, explica Madeleine Ogilvie, autora da pesquisa.

Além das circunstâncias físicas e emocionais, o batom proporciona uma dose diária de cromoterapia. Em enquete da WH norte-americana, 80% das mulheres afirmaram que o tom certo impacta seu humor. As maneiras como diferentes cores instigam emoções específicas são bem documentadas. “Além da vivência e do histórico de cada pessoa, essas sensações estão ligadas aos símbolos que vemos no nosso dia a dia. Cores frias, por exemplo, são consideradas mais frescas e sérias, enquanto as quentes trazem mais felicidade e energia”, comenta Marcella Nogueira, gerente de perfumaria e de categorias da marca Quem Disse, Berenice?.

Dentro dessa classificação, alguns estudos indicam que nudes e tons neutros apagados canalizam calma e empatia; vermelhos simbolizam poder; vibrantes, como laranja e fúcsia, transmitem ousadia; enquanto qualquer nuance na família dos ameixas é associada a um perfil refinado e profissional. No entanto, a escolha é livre. “Nos dias atuais, em que a sociedade busca questionar padrões, até na maquiagem as mulheres podem e devem escolher seu próprio jeito de se sentirem mais bonitas”, diz Marcella. E não há maneira mais simples de projetar quem você é do que a cor usada em uma parte central do seu rosto.

Qualquer que seja o tom escolhido,  o resultado é animador. Na mesma pesquisa de Madeleine, as participantes sentiram prazer não apenas em usar batom, mas em aplicá-lo. É um ritual que conforta, pois está entrelaçado às memórias. “A associação que as pessoas criam ao observarem suas mães passando batom é única”, diz Poppy King, norte-americana autora do livro A to Z of Lipstick (O ABC do Batom, em tradução livre).

Ela lembra o impacto marcante e imediato que teve ao abrir a gaveta de maquiagens de sua mãe pela primeira vez. “O batom me fez sentir diferente por dentro logo no primeiro contato. Foi como se, ao usá-lo, eu me tornasse mais capaz”, diz Poppy. E, enquanto pode ser difícil determinar se o batom é que levou à autoconfiança ou vice-versa, o fato é que o aumento na autoestima acontece e pode estar estruturado sobre diversos pilares. “Além da cor chamar a atenção, o batom destaca uma região com grande poder simbólico no inconsciente coletivo”, explica Fabiane Curvo, psicóloga do Rio de Janeiro. Segundo ela, a boca ocupa um lugar de externalização: é por ela que sai a voz, a fala e o sorriso – ou seja, o carisma e a força de expressão.

Também representa prazer, seja sexual ou do paladar. O que fica nítido é que nem todas as vantagens citadas são canalizadas por outros tipos de produtos labiais (desculpe, gloss!). Isso porque os benefícios terapêuticos do batom começam muito antes da fórmula entrar em contato com os lábios. Até o clique que ouvimos ao abrir a embalagem é suficiente para gerar bem-estar, passando pelo cheiro nostálgico e com traços de cera. O poder de levantar o astral é uma sensação testada e herdada ao longo de décadas. Como a atriz Audrey Hepburn uma vez disse: “Em um dia ruim, sempre há o batom”.