No início dos anos 1990, durante a entrevista que antecedeu um de seus shows no Rio de Janeiro, o pop star inglês David Bowie sapecou: “Se eu soubesse que cocaína fazia tão mal, não tinha cheirado tanto.” Ninguém deu bola. Bowie já estava limpo, mas cheirava-se muito no Brasil naquele início de década. Notas enroladas em forma de canudos, carreiras esticadas e fungadas intermitentes geravam o combustível de uma geração meio irresponsável, meio autodestrutiva. A cocaína prolongava noites ao som de muito rock ‘n’roll e elevava a auto-estima de incautos que se tornavam mais falantes e chatos. O legal era cheirar, embora quase ninguém soubesse, ao contrário de David Bowie, que aquele paraíso artificial acabava em sonho ruim, a chamada “bad trip”. João Guilherme Estrella era um deles. Jovem saudável, boa gente, filho de um alto executivo do extinto Banco Nacional, aprendeu com o pai que a liberdade era importante e se divertir, mais ainda. Se divertiu muito até que, numa partilha de cocaína, percebeu que poderia ganhar muito dinheiro fácil.

Além de relacionar-se bem com a juventude dourada da zona sul, a aptidão musical do carioca o aproximava de artistas e intelectuais. E, acima de tudo, ele era muito simpático. Estrella – nome bem apropriado – podia tudo, inclusive distribuir nos melhores pontos do Rio sua Nelore Pura, pó boliviano de primeira e, naqueles anos, irresistível. Tornou-se assim o mais popular e requisitado traficante do asfalto do Rio de Janeiro e consumidor voraz do próprio produto. A onipotência da droga fez que ele desse bandeira e desconfiasse pouco das pessoas com quem lidava. Foi preso, sofreu, saiu da cadeia e se levantou. Sua história virou livro, Meu nome não é Johnny (Record, 336 págs., R$ 39,90), escrito pelo primo e jornalista Guilherme Fiuza. A produtora Mariza Leão, de Guerra de Canudos, leu, adorou e vai transformá-lo em filme. Pode render um filmaço. O livro é daqueles que se lê em um fôlego só. Entre os anos 1980 e 1990, Estrella viveu emoções para uma vida toda. O texto de Fiuza é absolutamente contagiante e vai levando no colo a aventura maluca do primo em ritmo de thriller.

Entre muita festa e inúmeros sobressaltos, Estrella molda uma existência repleta de experiências, mesmo que dolorosas. A seu lado, desfilam personagens insuperáveis, como uma velhinha que vende drogas numa cobertura de Copacabana, um traficante paraplégico, os tipos violentos do cárcere da Polícia Federal e uma juíza de rara sensibilidade. É um passeio pelo lado escuro da vida, tendo como condutor um personagem sincero, que não perde a ternura e o bom humor. Não se pode esquecer, obviamente, que Estrella foi um criminoso. Mas é impossível não nutrir uma enorme simpatia pelo sujeito. Ao contrário dos traficantes que despontam nos jornais, comandando execuções, mutilações e regendo um concerto de barbárie, Estrella não usava armas e tinha como trunfo um enorme poder de convencimento. Era, na medida do possível, mais ético. David Bowie tinha razão. Cocaína, mesmo pura, faz mal. Mas hoje Estrella sabe também que dá para sobreviver a ela. Que venha o filme.