Rever a trajetória do maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, ganhador este ano do mais dourado de todos os bronzes da história olímpica mundial, é comprovar que um atleta, mesmo talentoso, jamais será completo se não for também um homem de grande caráter. No momento em que soube que fora escolhido por ISTOÉ o Brasileiro do Ano nos Esportes em 2004, o atleta, junto com seu técnico, Ricardo D’Ângelo, recebeu da revista uma pergunta difícil: “Você trocaria a fama, o dinheiro e os prêmios adicionais conquistados nos últimos três meses pela medalha de ouro numa prova normal, sem a interferência do maluco do ex-padre irlandês Cornelius Horan?” D’Ângelo foi sincero e coerente. “Se olharmos para o esporte, o ouro seria mais interessante, mas estou convencido de que o melhor para mim, para Vanderlei, para o atletismo brasileiro e para o País foi tudo ter ocorrido exatamente como ocorreu.” Mas Vanderlei, além da sinceridade, mostrou por que combina talento e um grande caráter com a elegância dos que são simples sem jamais sugerir falsa modéstia. “Minha vida mudou, é verdade. Mas, como sou quieto, gosto do Interior e não sinto a menor necessidade de fama – aliás, ela às vezes me incomoda –, o ouro sem essa badalação seria melhor.”

Hoje, o mundo sabe que a estrela de Vanderlei, 35 anos, 1,68 m e 54 quilos, brilha a ponto de ele ter a vitória roubada e ainda assim receber mais confetes do que o vencedor. Apesar da origem humilde, o encontrão aparentemente trágico do maluco irlandês Cornelius Horan, no dia 29 de agosto, que impediu o ouro na maratona em Atenas, não foi a primeira ocasião em que as forças do destino jogaram a seu favor. Paranaense de Cruzeiro D’Oeste, nascido em 11 de agosto de 1969, Vanderlei conheceu uma pista de atletismo aos 16 anos. Impressionado com a resistência e a velocidade do garoto no time de futebol da escola, um professor de educação física apresentou-lhe o novo esporte

A luz da estrela aparecia pela primeira vez. A partir daí, o garoto de pernas finas, passadas largas e olhar cabreiro começou a acumular bons resultados em provas regionais e nacionais. Em abril de 1992, sofreu a morte de seu técnico e incentivador Asdrubal Batista, mas logo depois foi novamente protegido pela sorte ao ser direcionado para as mãos do eficiente D’Ângelo. “Ele se destacava pela resistência. Por isso, fizemos um trabalho de transferência das provas mais curtas para a maratona”, explica o treinador. A mudança gerou um fato curioso. Em 1994, o brasileiro foi contratado pela organização da maratona francesa de Reims para ser o coelho, atleta que sai na frente, impõe um ritmo forte, mas não tem obrigação de ir até o final. Assim, força os outros a aumentar o ritmo e a melhorar marcas, valorizando a disputa. Na marca combinada, era o líder. Decidiu continuar e “treinar” por mais 90 minutos. Ao final do prazo, ainda estava na ponta, desta vez passados 39 quilômetros. Correu então o restante e venceu a prova. Além dela, Vanderlei acrescentou ao currículo o bicampeonato nos Jogos Panamericanos (Winnipeg 1999 e Santo Domingo 2003), o topo do pódio nas maratonas de Tóquio (1996) e São Paulo (2002) e a quinta colocação na Maratona de Nova York (1994). Em maio deste ano, antes de Atenas, venceu a Maratona de Hamburgo.