Aos 73 anos, em seu segundo mandato no Senado Federal, Jefferson Peres (PDT-AM) é o que se pode chamar de um defensor da ética e da moralidade por parte dos homens públicos. Na CPMI dos Correios, o baixinho e espigado senador amazonense já está consagrado como um interrogador duro, mas respeitador, sem os excessos policialescos de uns ou a simples falta de educação de outros colegas. Mantendo-se sempre dentro dos limites, Peres deixou o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, por exemplo, desconcertado ao não lhe fazer perguntas. Em uma longa peroração, justificou-se dizendo que as mentiras de Delúbio haviam sido tantas que não havia sentido perguntar mais nada. Na semana passada, o senador ganhou as manchetes ao defender um amplo acordo político em torno dos fatos levantados pela CPI, sugerindo uma blindagem para a economia ficar de fora da cada vez mais grave crise política em que o governo se meteu. Na quinta-feira 28, ele falou a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. propôs um pacto nacional para blindar a economia. A crise política tende a chegar à economia?
Jefferson Peres –
A situação está fugindo do controle. Por isso, como cidadão, decidi propor esse pacto porque acho que o País não resiste ao caos, a uma convergência entre a crise política, institucional, e uma econômica. Se a blindagem da economia não for obtida, temo que a contaminação será inevitável. A conjugação de duas crises, é insuportável para o País.

ISTOÉ – O presidente do STF, Nélson Jobim, disse que uma possível derrubada do presidente Lula poderá mergulhar o Brasil em uma longa crise institucional, que duraria pelo menos dez anos. O que o sr. acha disso?
Peres –
É a absoluta verdade. Podemos estar gerando uma longa crise de legitimidade. A verdade é que o povo não acredita mais em seus representantes eleitos, como ficou claro nas pesquisas de opinião em que metade dos entrevistados é incapaz de apontar um único político que considera honesto. Isso é perigoso, porque abre caminho para aventureiros que tentarão se aproveitar desse grave momento de instabilidade e descrédito nas instituições políticas.

ISTOÉ – As pesquisas mostram que, apesar de tudo, Lula ficou em primeiro lugar como político mais honesto.
Peres –
Acho que o presidente também se engana com essa popularidade.
Ela me parece tão instável quanto a economia. A verdade é que, hoje, o povo não
tem mais entusiasmo pelo presidente. Esses índices favoráveis me dão a impressão de que o povo pensa algo do tipo “o Lula não é grande coisa, mas
os outros são muito piores”.

ISTOÉ – O sr. teme que esse quadro político, com os escândalos se espalhando, descambe em golpe?
Peres –
Felizmente, passamos da época dos golpes militares. Hoje, no Brasil
e na América Latina, não há condições internas nem externas para isso. Há as cláusulas democráticas da OEA e do Mercosul que têm se mostrado eficientes,
como nas recentes crises do Equador e da Bolívia, solucionadas dentro das
regras constitucionais.

ISTOÉ – Mas o sr. teme que, com o agravamento da crise, a contaminação
da economia pela política gere um campo fértil para aventureiros.
Peres –
Isto é outro dos motivos por que não podemos permitir que haja essa contaminação. Repito, temos que blindar a economia.

ISTOÉ – O que levou a esse quadro de corrupção institucionalizada hoje no País?
Peres –
O quadro atual é resultado da fragilidade dos mecanismos institucionais de controle e repressão da corrupção em todos os níveis de governo. Falta de critério na escolha dos dirigentes dos órgãos de governo, instituições e empresas públicas; nomeações para os tribunais de contas (União, Estados e municípios) feitas por critérios políticos; um Judiciário que não julga, que defende os interesses das classes dominantes. Enfim, uma tolerância com a corrupção e a delinqüência inaceitável. Faz parte da natureza humana delinqüir. O porcentual de gente capaz disso, em teoria, é o mesmo em qualquer país, em qualquer sociedade. Mas em países como os EUA, onde a aplicação da lei é rigorosa, onde se prendem até milionários, o grau efetivo de delinqüência é menor. A lei existe e atinge a todos, inibindo muitos tipos de crime.

ISTOÉ – O sr. tem idéia de como a crise vai acabar?
Peres –
Eu não sei no que ela vai dar. O Jobim tem toda razão ao dizer que, se houver uma conjugação de crises, o País mergulhará no caos durante uns dez anos. Já uma crise passageira, limitada aos aspectos políticos, pode ser positiva. Depura a política, as instituições, a sociedade reage de forma ativa, cria anticorpos. Eu não digo que em todo esse episódio que vivemos, e que vem de anos, não existam uns 100 merecedores de cassação, de punição. Mas se conseguirmos cassar uns 20, 30, já será positivo, uma limpeza necessária e que deixará a sociedade satisfeita.

ISTOÉ – É possível essa depuração, esse corte na própria carne do
governo e do Congresso?
Peres –
Claro que sim. Mas para que isso aconteça sem levar o País a uma crise total é preciso blindar, como já disse, a economia. E não precisa muita coisa para se conseguir isso. Um acordo institucional entre o PT, o PSDB, o PFL e o PMDB, os quatro maiores partidos, é suficiente. Temos que deixar claro que na depuração da crise política não há limites. Pode-se chegar até ao impeachment do presidente da República. O governo e os partidos vão ter que conseguir a blindagem da economia. Se não pensarem dessa forma, não serão homens públicos, e sim reles politiqueiros. Não se pode pensar no “quanto pior melhor”.

ISTOÉ – Os antecedentes do Parlamento brasileiro não são boas garantias
de um comportamento ético.
Peres –
Temos que ter esperança. Claro que o novo cenário pode levar a que
esse lado bom, voltado ao interesse público, prevaleça, e é o que espero. Mas admito que as coisas podem descambar para o lado pior, para a barganha, para conchavos do tipo “vamos nos proteger mutuamente, vamos abrandar”. Xavecos desse tipo, estou fora. Aliás, tenho certeza de que, se chegarem a essa vergonhosa opção, ninguém vai me procurar para aderir, pois sabem de antemão qual
será minha resposta.

ISTOÉ – O sr. já foi procurado para discutir sua proposta?
Peres –
Já contatei líderes do PSDB e do PFL. Parlamentares influentes do PT também me procuraram, dando apoio, querendo aprofundar o debate. Gente de peso da maior parte dos partidos mostrou interesse. E o coordenador político do governo, Jaques Wagner, também já sinalizou desejo de discutir a proposta. Acho que o governo poderia ter sido mais incisivo, mas as declarações do Jaques Wagner são um bom sinal. Se o entendimento não vingar por patriotismo, por espírito público, que vingue por inteligência ou interesse.

ISTOÉ – O PSDB foi flagrado usando um esquema semelhante ao do PT nas eleições de 1988, em Minas Gerais. O ex-presidente Fernando Henrique criticou novas investigações dizendo que atos ocorridos em seu governo “eram história” e não mereciam ser analisados.
Peres –
Que negócio é esse de história? Não é história coisa nenhuma, porque se trata de fatos recentes. História é coisa da República Velha, do Império. Como não se podem investigar fatos de três, quatro, cinco anos atrás? Até porque os crimes, se cometidos, ainda não prescreveram. Repito, na crise política não pode haver limites.

ISTOÉ – A oposição ganha com a crise?
Peres –
Em um país destroçado, ninguém sabe o que pode acontecer. Imagine o Brasil em profunda crise, com sua economia destroçada, o povo desalentado e revoltado. Esse povo vai se voltar com esperança de dias melhores para o PSDB ou o PFL? Será que alguém acredita nisso? É por isso que acho que minha proposta tem todos os ingredientes para ser aceita. Ninguém quer o caos.