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QUEIJO SUíÇO
Desde a década de 1970, há vazamento de dados da Receita

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O problema vem de décadas. É grave e endêmico. No Brasil, a Receita Federal, que tem o dever de zelar pelo sigilo das declarações do Imposto de Renda de milhões de contribuintes, é um queijo suíço. Desde o final da década de 1970, há registros de pessoas flagradas vendendo os segredos fiscais de empresários, artistas e políticos nas ruas das grandes cidades. Nos anos 1980, agentes de um grupo de elite da polícia paulista apreenderam cópias das declarações de diversos executivos nas mãos de grupos especializados em promover sequestros. Durante as investigações que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, dezenas de pessoas jurídicas tiveram suas declarações devassadas e seus conteúdos divulgados, apesar do sigilo decretado pela Justiça. No começo dos anos 2000, ocorreu uma quebra de sigilo em massa, quando a Polícia Federal desmontou uma quadrilha que tinha acesso aos dados reservados do Fisco, do Banco Central, da Caixa Econômica Federal e da própria PF. Em 2004, a Polícia Federal deflagrou a Operação Chacal, que pôs fim ao esquema utilizado pela empresa americana Kroll Associates, que terceirizava a investigação sobre personalidades famosas. A Kroll foi formalmente acusada de corromper servidores públicos para conseguir dados nos órgãos federais, inclusive a Receita. Na terça-feira 31, um camelô foi preso, em São Paulo, vendendo CDs com informações confidenciais do Fisco sobre cerca de 30 mil pessoas físicas e jurídicas, por R$ 1 mil cada disco. No escândalo mais recente, cerca de 140 empresários, artistas e políticos tiveram seus dados pessoais violados na Delegacia da Receita em Santo André (SP). A lista vai desde a apresentadora Ana Maria Braga até o empresário Michel Klein, diretor-executivo da Casas Bahia.

CRIME ANTIGO
No início dos anos 1980, a polícia encontrou cópia
das declarações de renda de diversos empresários
com grupos de sequestradores

“A quebra de sigilo macula a credibilidade da Receita e é um fato da maior gravidade”, alerta o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita. A Polícia Federal, que instaurou inquérito para investigar os desvios na Receita, já tem uma lista de suspeitos que inclui a analista tributária Lúcia Gonçalves Milan. Ela entregou a declaração de Verônica Serra, filha do presidenciável tucano José Serra, para o contador Antonio Carlos Atella Ferreira. Ele usou uma procuração falsa, com a assinatura atribuída a Verônica. Lúcia admitiu ter copiado a declaração e disse que não faz parte de suas atribuições atestar se a procuração é falsa ou não. O contador Antonio Carlos confirma a facilidade encontrada para se obter dados confidenciais na Receita. “Eu tiro qualquer tipo de documento, faço isso 20, 30 vezes por dia”, disse ele.

As revelações da funcionária e do contador mostram que está mais do que na hora de a Receita rever suas normas e procedimentos e de a Justiça punir os funcionários que deveriam zelar pelo sigilo dos contribuintes. Grave como o vazamento de dados confidenciais é o uso político desses fatos, sem que os crimes sejam efetivamente esclarecidos. No lugar de discutir projetos políticos e propostas reais para o Brasil dos próximos anos, José Serra vem se valendo do queijo suíço da Receita Federal para tentar atingir sua principal oponente, a ex-ministra Dilma Rousseff. O PSDB chegou a recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral pedindo a cassação da candidatura de Dilma, alegando que a quebra dos sigilos fiscais na Receita seria uma forma de uso indevido do governo em favor da candidata petista. Evidentemente, o TSE não acolheu o pedido.

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É mais do que sabido que quadrilhas e malfeitores ganham dinheiro com a venda de dados confidenciais da Receita. Com esses dados são cometidos diversos outros crimes, como sequestro e extorsão. Esses bandidos contam com a cumplicidade de funcionários da Receita que se deixam corromper e não agem com fins políticos, embora tenham alguns políticos como alvo de suas ações. Nos corredores do Congresso Nacional, por exemplo, antes de a lei exigir que suas declarações fossem tornadas públicas nos anos eleitorais, diversos parlamentares já foram vítimas de extorsão por pessoas que obtêm dados fiscais sigilosos pessoais ou de suas empresas. Experiente, o ex-secretário Everardo Maciel recomenda prudência ao PSDB e diz que são descabidas as acusações apressadas. “Não há nenhum elemento que nos leve a concluir que Dilma Rousseff esteja por trás disso”, diz Everardo. “É evidente que se trata de um processo mais amplo, que envolve vazamento, violação de sigilo e utilização de informação para atos ilícitos, mas tudo tem que ser investigado”, adverte.

Na quinta-feira 2, o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, que tem acompanhado de perto as investigações e assegura que todo o processo será transparente, voltou a afirmar que não há indícios de motivação política nos últimos vazamentos descobertos. “Não vislumbro nenhuma motivação eleitoral. Inclusive, na divulgação feita de nomes, constam empresários e pessoas notáveis da mídia que não têm vinculações políticas”, disse Cartaxo. Para os contribuintes, o que importa não é tanto a motivação, mas sim a inviolabilidade das declarações de renda, afinal todos os anos mais de 11 milhões de brasileiros abrem suas contas para o Leão.


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