Santa Maria é uma cidade fictícia que ambienta várias obras de seu criador, o escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994). De relance, ela se parece com muitas outras pequenas cidades. Em profundidade, ganha caráter universal. No atual cenário político brasileiro, poderia até ser apresentada com o aviso de que qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência. Povoada por personagens instigantes, entre eles políticos corruptos e garotas de programa, Santa Maria já estava formada em 1950, na obra A vida breve, publicada no passado, no Brasil, pela Planeta. A mesma editora acaba de lançar o romance Junta-cadáveres (320 págs., R$ 39,90).

O título remete ao personagem Junta Larsen. Conhecido como Junta-cadáveres pelo empenho em reunir prostitutas já passadas, mas ainda hábeis no ofício, Larsen sonha em montar um bordel ideal. O romance começa justamente com seu desembarque na estação ferroviária de Santa Maria, acompanhado por três mulheres convidadas para alegrar o imóvel de persianas azuis que abriga a primeira casa de tolerância da cidade. Em linguagem contida, mas fluida, Onetti cativa o leitor ao conduzi-lo por seu mundo complexo e entrelaçado. O cenário físico aparece apenas no essencial, para dar suporte à densidade dos personagens. A cidade, no entanto, vai se descortinando à medida que a existência do bordel desestrutura a ordem provinciana. Escrito no começo dos anos 60, Junta-cadáveres reflete a perversidade humana com contundência ímpar ao relatar a cruzada moralista que moradores de Santa Maria empreendem contra o estabelecimento.

Considerado o maior escritor uruguaio, Onetti foi, antes de tudo, um autodidata. Depois de abandonar os estudos formais, no terceiro ano do segundo grau, trabalhou como porteiro, garçom, vigia e vendedor. Aos 20 anos, começou a publicar seus escritos em revistas literárias. Pouco depois, enveredou-se também pelo jornalismo. Em 1974, por suas atividades na imprensa, acabou preso pela ditadura militar uruguaia. No ano seguinte, exilou-se em Madri, na Espanha, onde viveu até morrer, aos 85 anos, em 1994. Vencedor do prestigiado Prêmio Cervantes de Literatura, Onetti inscreveu-se como um dos mais importantes nomes da literatura em língua espanhola ao dar vida a Santa Maria e a personagens como Junta-cadáveres. Um universo próprio, ligeiramente hermético, sobretudo fascinante.