Há um ano e meio no País, a atriz não é convidada para novelas ou filmes e decide aceitar novo convite do cinema americano

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AUTOESTIMA
Sonia, aos 60 anos, no Rio de Janeiro: plástica assinada por Ivo Pitanguy

A entrevista foi marcada em um restaurante perto do mar, onde a carioca nascida no Paraná Sonia Braga se sente feliz. De imediato ela mostrou os cílios postiços, soltou a cabeleira para exibir os cachos que voltou a adotar e conferiu detalhes da maquiagem. “À medida que a idade vai chegando, deve-se reduzir a pintura no rosto a quase nada”, diz Sonia. Magra e muito bonita, não parece ter os 60 anos que de fato tem. As rugas existem, mas a plástica assinada por Ivo Pitanguy fez com que elas entrassem em harmonia naquele semblante de eterna tigresa que trabalhou no “Hair”, musical que causou um escândalo nos anos 1960. Sonia Braga, uma das maiores atrizes brasileiras – atuou em “Dancin’ Days”, “Gabriela”, “Do­na Flor e Seus Dois Maridos” e “O Beijo da Mulher Aranha”, entre novelas e filmes –, fez um desabafo nesta entrevista à ISTOÉ: está há um ano e meio no Brasil sem trabalho. Como acaba de receber uma proposta de um produtor americano, vai voltar para Nova York, onde morou por mais de duas décadas e tem apartamento.

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"Namorei Caetano Veloso no final dos anos 1970. Foi um namoro rápido.
Mas um amor coroado por música é um amor que fica para sempre"

Considerada o maior símbolo se­xual brasileiro desde que estrelou a novela “Gabriela” (1975), ela diz que namorou o cantor e compositor Caetano Veloso e nega qualquer affair com o ator Antonio Fagundes. Sonia construiu uma carreira nos EUA e abriu caminho para atores brasileiros, entre os quais sua sobrinha, Alice Braga. Mas diz que é muito cobrada aqui por interpretar latinas. “Querem que eu faça o quê? Uma sueca?”, pergunta ela. E afirma: “Faço latinas com muito orgulho.”

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"Se acharam a Mariah Carey para ir a um festival de boiadeiro em
São Paulo, não me achariam em Niterói para oferecer trabalho?"

ISTOÉ

Como está a sua vida no Brasil?

Sonia Braga

Já vou embora do Brasil. Eu queria ficar aqui, trabalhar aqui. Seria mais fácil, mais emocionante se eu fizesse um filme ou uma novela. Teatro eu não faço, não gosto. Mas estou há um ano e meio no País totalmente de férias. Tenho uma casa em Niterói, que está em obras, comprei um apartamento na Cinelândia (centro do Rio de Janeiro). Está claro que eu moro aqui. Mas as  pessoas não me chamam para trabalhar. Agora, estou fechando um projeto americano. Não posso falar o que é ainda. E vou embora. Neste um ano e meio de Brasil, trabalhei apenas em “As Cariocas” (seriado da Rede Globo), com Daniel Filho. Só. Só.

ISTOÉ

Explique isso.

Sonia Braga

Não sei. Se encontraram a Mariah Carey para ir a um festival de boiadeiro em São Paulo, não encontrariam a Sonia Braga em Niterói para atuar em um filme, em uma novela?

ISTOÉ

Como é o seu dia a dia?

Sonia Braga

Faço muita coisa. Vou às lojas, às livrarias, vivo dias lindos aqui. A diferença é que não há uma câmara imprimindo tudo, não estou dividindo com as pessoas aquilo que ando fazendo. Elas me perguntam: por que você não está em uma novela? Por que não está fazendo um filme? Falo que não estou na tevê porque não sou dona de uma emissora e não sou contratada por ninguém.

ISTOÉ

O novelista Sílvio de Abreu disse certa vez…

Sonia Braga

O Sílvio de Abreu foi para Nova York, nos encontramos, ficamos horas e horas conversando. Ele queria que eu participasse de uma novela e eu queria fazer novela. Quando o Sílvio saiu de lá, estava fechada nossa parceria. Eu faria uma personagem maravilhosa, ia trabalhar com a Glorinha Pires, ela ia ser minha filha e seríamos rivais (“Belíssima”, 2005). Mas, na hora de negociar, a Rede Globo ofereceu pouco demais. Não foi só o valor, foi também o tipo de negociação. O advogado que estava me representando ficou até sem graça. Eu falei: sinto muitíssimo, mas não posso ganhar menos do que eu ganhava há dez anos. Tem de ser pelo menos o equivalente em valores atualizados.   

ISTOÉ

Alguns dizem que a sra. pode ter sido prejudicada por ter morado tanto tempo fora do Brasil…

Sonia Braga

A Bete Mendes ficou aqui, e onde ela está agora? Ela e a Débora Duarte são as melhores atrizes do Brasil e também não têm muito trabalho. Sempre estive aberta para trabalhar aqui. Já me ofereci várias vezes para trabalhar com o (diretor) Guel Arraes. As pessoas têm direito de não gostar de mim como atriz, podem achar que o que eu represento fica pesado para um personagem. Eu entendo, e até concordo eventualmente. Mas isso é diferente de dizer que não a convidam porque você mora em Nova York. Por quê? É difícil ligar para Nova York?

ISTOÉ

Como avalia a repercussão local de seu trabalho nos EUA?

Sonia Braga

Me atacaram muito por eu fazer papéis de latina. Eu respondo assim: desculpa, quer que eu faça o quê? Uma sueca? Faço uma latina com muito orgulho. O mercado lá é complicado mesmo, muito preconceituoso. Eu percebi o seguinte: que a grande luta dos hispânicos era para não fazer drogados, prostitutas. Eles (ou nós) queriam representar a sociedade americana, aparecer nas telas em profissões mais dignas. Mas eu percebi que isso é uma faca de dois gumes: o resultado, às vezes, é fazer uma mulher que vai para o fogão, espera o marido chegar, uma chatice.

ISTOÉ

A sra. trabalhou com grandes feras do cinema mundial… 

Sonia Braga

Só de estar no mesmo set que Clint Eastwood, Raul Julia… só isso vale um discurso. Mas aqui a gente tem equivalentes. Estar no set com o Cacá Diegues é um presente também. Ele é um pensador brasileiro. O Daniel Filho é maravilhoso, é tão impregnado de cinema. Aqui usam essa palavra, “demorô”, né? Pois é, Daniel, demorô, hein? Ele sabe fazer cinema.

ISTOÉ

A sra. não tem  participado do cinema brasileiro recente.

Sonia Braga

Não. Mas fiz “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “Eu Te Amo”, “O Beijo da Mulher Aranha”,  “Milagro”e fiz televisão, que eu adoro. Em 1988, quando vim para o Brasil filmar “Luar sobre Parador”, pensei que engataria mais filmes. Mas não houve convite, começou aquela história triste, aqueles violinos tocando, aquele olhar perdido no porto, aqueles vestidinhos de chita, aquela melancolia. Pensei: vou para a neve, vou dar uma acordada. Foi nessa acordada que acabei ficando por lá.

ISTOÉ

A sra. acha que a escassez de convites tem a ver com a idade?

Sonia Braga

Não. Basta citar a Yoná Magalhães, que está com 70 anos e é escalada. Se isso for motivo, eu sinto muito por eles.

ISTOÉ

A sra. ainda carrega a fama de símbolo sexual?

Sonia Braga

Legal, isso, não é? O que é preferível: ouvir alguém falar “ô sua gostosona” ou “ô sua feiona”? Qualquer mulher quer ser amada e desejada. Já encontrei uma mulher que me disse: “Meu marido é apaixonado por você.” Eu respondi: Tá vendo por que eu sou solteira? Você casou com o meu marido. Devolve…

ISTOÉ

Aos 60 anos a sra. ainda é muito paquerada?

Sonia Braga

Isso não é e nunca foi uma coisa que me chame a atenção. Um flerte, uma cantada certa, ser cortejada, isso é gostoso.

ISTOÉ

Mas a abordagem ao estilo do filme “Dama do Lotação”, o tipo grosseiro que fala sacanagem?

Sonia Braga

Acho que percebi todos os grosseiros que chegaram, e eles levaram bronca. Não sou eu “a dama”, ela é uma personagem, mas acontece essa confusão. Entendo. Sempre acho uma maneira de desfazer o equívoco.

ISTOÉ

Está namorando? 

Sonia Braga

Estou solteira, mas tive diversos namorados. Um, que compôs uma música para mim, é especial porque me fez muito bem como mulher.

ISTOÉ

Quem foi?

Sonia Braga

Caetano Veloso. A música que ele fez para mim é “Trem das Cores”. A “Tigresa” foi roubada. Era tema de uma personagem da novela “Espelho Mágico”, e foi roubada. Namorei o Caetano no final dos anos 1970. Foi um namoro rápido, mas um amor coroado por uma música é um amor que fica.

ISTOÉ

Gabriela é a sua imagem pública mais forte?

Sonia Braga

Viu que meus cachinhos estão voltando? Eu não estava mais aguentando aquele cabelão liso. Gente, a Gabriela voltou.

ISTOÉ

A sra. se preocupa em ser fotografada sem maquiagem?

Sonia Braga

Claro. Não gosto de ficar mal na foto. Quando saio de um lugar e dou de cara com um paparazzo, peço para apagar tudo e negocio. Volto, arrumo os cabelos, os óculos, e repasso a cena só para ele fotografar. Dá tudo certo no final.

ISTOÉ

Alguma vez não deu?

Sonia Braga

A única vez na minha vida que fiquei muito aborrecida foi quando disseram que eu estava namorando o ator principal de uma novela, e isso era absolutamente falso.

ISTOÉ

E dessa vez quem foi?

Sonia Braga

Antonio Fagundes. Mas eu nunca namorei o Fagundes. Certa vez, eu até armei uma foto para ajudar um amigo. Estavam dizendo que ele era gay, e ele não era. Nada contra, mas ele estava aborrecido porque era mentira. Eu produzi a cena: arranjei um fotógrafo que ficou atrás de uma moitinha para nos “flagrar.” Falei para ele: fica tranquilo, ninguém vai acreditar que você é gay depois de verem a gente namorando.

ISTOÉ

Há rumores de que houve desavença sua com a Betty Faria.

Sonia Braga

Essa história é longa. Quando terminei “Luar sobre Parador”, o Robert (Redford) me convidou para conhecer o Festival de Sundance e, lá, perguntei se ele queria produzir um filme brasileiro. E contei sobre Tieta. Ele topou na hora. Liguei para o Jorge Amado, na Bahia, e ele disse: “Claro, os direitos são seus, querida.” Comecei a trabalhar nesse projeto. Aí, encontrei com a Betty Faria num evento na Itália e ela me contou que ia fazer Tieta na televisão. Achei melhor esperar passar o tempo para fazer o meu projeto, até para não botar o Jorge numa situação delicada. Anos depois, fiz Tieta com o Cacá (Diegues). Ouvi dizer que ficou um clima muito desagradável.

ISTOÉ

A sra. faz análise?

Sonia Braga

Fazia. Quando percebi que o analista já estava melhor, se ves­tindo direitinho, sorrindo de novo, dei alta para ele.