img3.jpg
VISITA COLONIAL
Comitiva americana chega às Filipinas em 1905

O recém-lançado livro “O Cruzeiro Imperial” (Larousse), do historiador americano James Bradley, reconstitui com inédita documentação um episódio pouco conhecido da política externa dos EUA que se passa durante a gestão do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909). No verão de 1905 uma numerosa e extravagante delegação americana zarpou dos EUA com destino ao Sudeste Asiático a bordo do navio Manchúria. Integravam o grupo sete senadores, 23 deputados e funcionários militares e civis. A comitiva era chefiada pelo secretário de Guerra, William Howard Taft, que viajava com uma determinação: estabelecer ­sigilosos acordos políticos com autoridades da Ásia. O segredo se explica. A Constituição americana prevê que acordos internacionais sejam avaliados pelo Senado antes de assinados e Roosevelt achava o trâmite “perda de ­tempo” e queria selar esses acertos sem alarde. Para distrair a atenção do foco da viagem, uma jovem celebridade foi convidada a compor o grupo: Alice, 21 anos, a rebelde primogênita de Roosevelt, que seria deserdada pelo pai décadas depois.

img2.jpg
"No Japão fui instruída a dizer que era inglesa"
Alice Roosevelt (à dir.), filha do presidente Roosevelt

A reconstituição dessa viagem traz uma interessante e mordaz análise dos primórdios da desastrada diplomacia dos EUA – e mostra como o país, um século mais tarde, cometeria erros idênticos, ­sobretudo no Iraque. Também obscurece ainda mais a imagem de Roosevelt (que lembra muito George W. Bush) ao reproduzir vexatórias declarações feitas por ele, como na expulsão dos mineiros chineses de Wisconsin, no Massacre de Rock Springs: “Nenhuma calamidade maior pode se abater sobre nós do que ter a encosta do Pacífico ocupada por mongóis.” Enquanto narra os desacertos diplomáticos, o autor descreve as saias-justas criadas por Alice e outras das quais ela foi vítima em consequência dos desmandos políticos do pai. No Havaí ela desagradou à recepção organizada em Honolulu ao se desfazer estouvadamente dos colares que ganhou de presente (porque a “estavam sufocando”) e em Manila (Filipinas) não dirigiu a palavra às esposas dos filipinos, mal-estar registrado pelos jornais.

img1.jpgimg.jpg

Em Cantão (China), onde se embriagou no jantar de boas-vindas, a filha de Roosevelt recebeu tratamento hostil, com cartazes ironizando a presença no país da “princesa Alice e seus asseclas”. No Japão a situação era periclitante. Antes de desembarcar, a moça foi orientada a dizer que era inglesa, caso alguém perguntasse a sua nacionalidade. O descumprimento de um acordo com os japoneses provocara a ira da população (e um drástico corte na importação de produtos dos EUA). Esse episódio é interpretado por Bradley como o estopim de uma dinamite que explodiria mais tarde com as bombas lançadas na base americana de Pearl Harbor, em 1941, marco da entrada do país na Segunda Guerra Mundial.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Leia trecho do capítulo "Negros do Pacífico" da obra de James Bradley, "O Cruzeiro Imperial"

“Não viemos para combater os filipinos, mas para protegê-los em suas casas, seus empregos e seus direitos pessoais e religiosos”
– Presidente William McKinley, 1899

“O povo dos Estados Unidos quer que matemos todos os homens, fodamos todas as mulheres e criemos uma nova raça nestas ilhas”
– Robert Austill, soldado americano nas Filipinas, 1902

Os livros didáticos apresentam o debate sobre se os Estados Unidos deveriam manter as Filipinas como uma batalha titânica entre imperialistas e anti-imperialistas. Os textos anti-imperialistas de Mark Twain e Andrew Carnegie dão a impressão de que os Estados Unidos estavam fazendo algo novo, que até aquele momento o país não tinha uma tradição de transformar povos estrangeiros em súditos coloniais.
Mas os Estados Unidos já tinham uma política colonial. Em 1832 – quando o governo dos Estados Unidos controlava apenas uma pequena parte do continente – a Suprema Corte designara os brancos cristãos como “guardiães” de seus índios “tutelados”. Como escreve o professor Walter Williams em artigo no Journal of American History intitulado “A política indígena dos Estados Unidos e o debate sobre a anexação das Filipinas”:

 Os imperialistas acreditavam que o imperialismo externo era similar à antiga expansão dos Estados Unidos pela América do Norte. Os precedentes para governar súditos coloniais eram claros e precisos, baseados no longo caminho desde a independência até a tutela para os índios americanos.

“Governar as Filipinas não é sinal de uma nova política, mas a ampliação de uma política há muito seguida”, escreveu o professor Albert Bushnell Hart, de Harvard, depois presidente da Associação Histórica Americana e editor da American Political Science Magazine. O Atlantic Monthly concluiu que “a questão não é se devemos ou não iniciar uma carreira de colonização, mas se devemos transferir para outros canais a colonização que dura tanto quanto nossa existência nacional”. O senador Orville Platt chamou a expansão para o oeste de “a lei de nosso crescimento nacional, (…) a grande lei de nosso desenvolvimento racial”. Como Theodore Roosevelt havia escrito no terceiro volume de sua série “A conquista do Oeste”: “Muitas pessoas boas parecem dispostas a falar de todas as guerras de conquista como necessariamente más. Isso, claro, é uma visão limitada. Em suas consequências uma conquista pode estar carregada de males e bens para a humanidade, de acordo com o valor comparativo de povos conquistadores e conquistados”.
Embora a Liga Anti-Imperialista Americana – fundada pouco antes para se opor à anexação das Filipinas – ameaçasse reunir 10 milhões de manifestantes, “a petição terminou com míseras 5 mil assinaturas”. O Baltimore Sun concluiu: “É a mesma velha lei de sobrevivência dos mais aptos. Os fracos devem se curvar perante os fortes, e hoje a raça americana é a mais robusta e nobre da Terra”.
Uma das mais famosas histórias sobre McKinley é a de como o presidente confessou a uma delegação de ministros metodistas em visita que caíra de joelhos e rezara pedindo iluminação, e que Deus dissera a ele que era seu dever erguer, civilizar e cristianizar os filipinos. A história pode não ser verdadeira, mas transmite as intenções benevolentes que McKinley introduziu na política externa dos Estados Unidos. McKinley sabia que para seu eleitorado “imperialismo” era uma palavra suja, portanto fez os americanos acreditarem que as grandes jogadas imperiais de seu país na verdade eram esforços de grande compaixão e sacrifício. Se o americano médio sentia piedade dos Outros, ele tinha o dever cristão de ajudar.
 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias