”Vamos embora para casa, está na hora", decreta Kátia Forjaz, 34 anos, para os filhos, Rodrigo, nove anos, e João Vítor, quatro. Empolgados com as brincadeiras no parque, os meninos não obedecem à mãe. Com todos os pertences da família reunidos e a chave do carro na mão, Kátia tenta várias vezes convencer os garotos a partir. Em vão. Então, mesmo consciente de que não conseguiria cumprir a promessa, diz: "Vamos, amanhã a gente volta", afirma, exausta. Finalmente, os meninos decidem ir. Livre de escândalos e choradeira, a família segue em paz para casa. Pequenas mentirinhas como essa são usadas com freqüência por pais e mães quando querem evitar acessos de birra. Mas até que ponto é aceitável mentir para os filhos?

Para os especialistas, os pais devem sempre dizer a verdade e tomar cuidado ao lançar mão de truques e desculpas. "Em uma relação em que a confiança é fundamental não há espaço para inverdades, em nenhum nível, em nenhuma fase da vida", diz a psicopedagoga Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). "A maioria dos pais mente para facilitar a vida deles, mas isso não educa. É melhor a criança crescer com a imagem real do que é a vida do que falsear a realidade", diz Tânia Zagury, filósofa, mestre em educação e autora de 13 livros na área de ensino e relacionamento entre pais e filhos.

Até os seis anos, a criança tem pouca percepção da mentira. Fantasias como Papai Noel e coelhinho da Páscoa povoam o imaginário e fazem parte do processo natural do crescimento. Mas isso não significa que elas são bobas. Para não comprar o que o filho pede em uma loja de brinquedos, por considerarem caro, inútil ou inadequado, muitos pais alegam não ter dinheiro. Mas, em seguida, entram no supermercado e enchem um carrinho de compras. Isso as confunde. "A criança, especialmente a partir dos três anos, percebe a gafe", diz a psicopedagoga Maria Irene Maluf. "Este tipo de comportamento acaba com a confiança dos filhos nos pais. Eles não vêem mais força na palavra do adulto", afirma. Nessas situações, o ideal é conversar e explicar o porquê de ela não ganhar o brinquedo naquele dia.

Atenta a isso, a designer Delphine Kacsinski, 35 anos, evita enganar Jonathan, cinco. "Às vezes, faço chantagem para ele comer. Mas morro de medo de ele não ceder, porque nem sempre vou cumprir a ameaça que faço", admite. Certa vez, em uma festa de aniversário, Delphine disse para o filho que se ele não comesse por lá não teria almoço em casa. Por sorte, ele topou. "Imagina se eu teria coragem de deixá-lo com fome!", diz. A psicopedagoga Quézia alerta os pais para só falarem de castigos que são capazes de pôr em prática. Do contrário, ficam desacreditados.

A partir dos seis anos, os cuidados com as palavras devem ser redobrados. Por mais banais que sejam, mesmo as mentirinhas podem criar falsas expectativas, gerar ansiedade e quebrar relações de confiança. No dia seguinte à brincadeira no parque, o filho de nove anos de Kátia cobrou dela a promessa de voltar ao local. "Ele me pediu para levá-lo. Tive de falar mais uma mentirinha", conta. Assuntos sérios, como morte e doenças graves na família, devem ser comunicados à criança, respeitando-se sua capacidade de compreensão. Uma planta ou um bicho de estimação podem ajudar a exemplificar o ciclo da vida.

O paulista Maurício Santini, 44 anos, pai de Gabriel, dez anos, diz que procura criar o filho com transparência, mas a mãe e a avó sempre inventaram historinhas para o menino. "Um dia ele me disse: ‘Minha mãe mente, minha avó também.’ Fiquei surpreso com o nível de compreensão dele." Nesta fase, as crianças descobrem a mentira como um recurso para se livrarem de alguma enrascada. "Nós logo percebemos e conversamos com a criança. Mostramos que a verdade, mais cedo ou mais tarde, virá à tona e ela terá de responder pelo erro e pela mentira", diz Claudia Razuk, uma das coordenadoras do Colégio Itatiaia, de São Paulo.
 

Há casos extremos nos quais a mentira provoca problemas psicológicos que se perpetuam por toda a vida. O gaúcho Ricardo Fischer descobriu, aos 12 anos, que era adotado ao encontrar a papelada de sua adoção. E até hoje, 30 anos depois, tenta lidar com a rejeição dos pais biológicos, com o segredo mantido em torno de sua história e com os mistérios de sua biografia. Desde criança, recebe apoio psicológico e por três anos, dos 35 aos 38 anos, tomou antidepressivos. "A mentira acabou com a minha vida, eu era uma pessoa infeliz sem saber o motivo. Aí, descobri que o que me deixava doente era a farsa que eu vivia", diz ele, hoje presidente da ONG Filhos Adotivos do Brasil.

É importante lembrar ainda que o filho se espelha no comportamento dos pais para moldar sua personalidade – e ninguém quer criar um mentiroso contumaz. Aquela mania do pai de pedir à criança para atender o telefone e dizer que ele não está, por exemplo, é péssima. A mentira se torna algo natural e pode ter reflexos no futuro. É o caso de um paciente de 18 anos da psicopedagoga Maria Irene. Ele confessou a ela que havia falsificado o boletim escolar. Ao repreendê-lo, perguntou se ele era capaz de imaginar a reação de seus pais. O jovem respondeu que eles não tinham moral. "Ele me disse que, apesar de na época só ter cinco anos de idade, lembrava exatamente do dia em que o pai subornou um policial rodoviário para não ser multado", relata Maria Irene.

Quando chega à adolescência, o jovem tem plena consciência do certo e do errado. "Já foi o tempo em que eu fazia joguinho porque não podia responder a verdade ou porque estava sem paciência", diz a carioca Adriana Bernardes, 40 anos, mãe de quatro meninas com idades entre 11 e 18 anos. Ângela, a mais velha, tem as histórias frescas na memória: "Eu era pequena e adorava bichinho de pelúcia. Sempre pedia para minha mãe comprar e ela dizia ‘amanhã a gente vai’. Um dia eu falei: ‘Mãe, esse amanhã nunca chega!’"

De acordo com os especialistas, o importante nesta fase é ter um canal de comunicação aberto. "Se o pai quer cobrar diálogo, confiança, conversa franca, também tem de jogar limpo com o adolescente", afirma o hebiatra (médico de adolescentes) Williams Ramos, presidente da Associação Brasileira de Adolescência (Asbra). Adriana diz que sempre conversou muito com as filhas, tanto das duas separações pelas quais passou quanto do seu fraco desempenho escolar nas disciplinas de exatas. "Nunca fiquei constrangida ao falar das minhas notas ruins", diz ela. Para Ângela, que teve dificuldades em concluir o último ano do ensino médio na escola americana, as deficiências da mãe serviram de exemplo. "Ela me falava: ‘Também tive problemas, estudei e consegui me formar. Mete a cara nos livros e você também vai passar’", conta. Segundo a psicóloga e pedagoga Fabiana Luckemeyer, especializada no atendimento de adolescentes, os pais costumam ter medo de serem julgados pelos filhos, de perder a moral e a admiração. "Isso não acontece se houver uma conversa franca", diz Fabiana.

Transparência é importante, mas às vezes não contar a verdade inteira pode ser o mais adequado. No caso de uma separação, sobretudo se houver traição, os pais não precisam entrar em detalhes dos motivos. "Isso não é da competência dos filhos, pode até gerar raiva neles", afirma a educadora Tânia Zagury. Da mesma forma, não precisam falar que estão namorando até se sentirem seguros no novo relacionamento. A empresária Nelcy Del Grossi, 45 anos, chegou a levar três meses para contar às filhas adolescentes que tinha um namorado. "A gente saía e eu dizia que outros amigos iam junto", conta. "Depois foi algo natural, fizemos um almoço em família e deu tudo certo."

O caminho a seguir é mais obscuro quando se entra no pantanoso terreno das drogas. A atual geração de pais é a primeira em que maconha e afins não eram tabu na juventude, pelo contrário. A probabilidade de terem experimentado é grande. O que fazer se for confrontado sobre seu passado pelo filho? "Esta é uma decisão que os pais têm de pesar muito bem", opina Tânia. "Existem pais que fumaram e se sentem desonestos ao negar. Mas há o risco de o adolescente decodificar esta mensagem como ‘se ele usou e está tudo bem, por que não posso usar?’", diz Tânia, lembrando que a maconha hoje é manipulada quimicamente e é sete vezes mais potente do que nos anos 70.

O importante é ter em mente que é algo a ser tratado em uma conversa longa, com calma. "É preciso aproveitar a pergunta para estruturar um diálogo", diz o hebiatra Ramos, da Asbra. "Se for admitir que usou drogas, explique antes o contexto e qual era o momento da sua vida, faça-o refletir para não chocálo", aconselha. Na opinião dele, se o pai nega ter experimentado e o filho depois descobre a mentira, pode ser mais complicado clarear a situação. Educar nem sempre é preto no branco. Cabe aos pais encontrar o equilíbrio na missão de criar os adultos de amanhã.