Nem todas as crianças têm o privilégio de possuir um professor de matemática fissurado em espeleologia. Caso do artista plástico Zélio, 66 anos, que no passado, ao invés de ficar fazendo raiz quadrada, espertamente instigava o professor a desenterrar seus conhecimentos em cavernas. Mais um empurrãozinho, e lá estava o mestre com os alunos em expedições a grutas, como a de Maquiné, cheias de desenhos em suas paredes. Vem da infância em Caratinga, no interior de Minas Gerais, a mais antiga lembrança do interesse de Zélio por inscrições rupestres e pela arte pré-colombiana, que volta e meia ele incorpora em suas telas. Grande parte da mostra Percurso e presente, em cartaz na galeria Bita Art Lofts, em São Paulo, faz referência ao emaranhado de signos, linhas e curvas que tiram o sono dos arqueólogos.

É um prolongamento da série Ameríndios, iniciada nos anos 80, que retrabalha também a herança indígena. “Trata-se de uma produção recorrente, mas não constante”, afirma Zélio, que nunca abandona o figurativo. “Até Pollock e Kandinsky deviam cometer os seus desenhos e retratos na calada da noite”, ironiza. Sua produção no gênero ocupa o segundo andar da galeria, justificando o caráter retrospectivo do “percurso” do título. Estão lá exemplares das séries feitas em Nova York, onde morou de 1986 a 1991 – Crachás, sobre o cotidiano de engravatados, e Metrô, sobre as linhas do underground, bem como de Brasiliana, com retratos “fictícios” de mulheres nascidas do “caldeirão de raças” nacional. Da fornada mais recente, polarizam a vista as telas que resgatam as cores caipiras de Tarsila do Amaral, como Dança tropical (2004) e Minas Gerais (2005). Ao comentar o mar de montanhas da última, lembra uma observação da mãe. “Ela dizia que Minas é triste porque a sombra chega antes do entardecer.” Uma tristeza doce, feita de rosas, lilases e azuis.