Domingo bom, mesmo, foi aquele do mês passado, em que uma blitz da Polícia Rodoviária Federal fechou o dia em grande estilo. Ela pegava os motoristas que vinham pelo acostamento da BR-116, em Saracuruna. E ia juntando uma fila de carros na beira da pista, que não paravam de chegar, como se a patrulha tivesse ímã.

Ultrapassar pela margem da estrada é um hábito que tinha todo o jeito de direito adquirido, naquele trecho em que a Rio-Teresópolis desemboca na Rio-Petrópolis, entupindo o gargalo da volta à cidade. E essas coisas, no Rio de Janeiro, são previsíveis para todo mundo, menos para as autoridades competentes.

Os vendedores de água mineral, refrigerante ou biscoito de polvilho estão sempre lá. Organizam-se com antecedência. Fazem estoques, equilibrando o volume de mercadoria com o tamanho da encrenca. O engarrafamento que regula suas vendas pode flutuar ao sabor das estações, dos feriadões e das condições meteorológicas. Mas não falha.

E aonde ele vai, os ambulantes vão na frente. Farejam a confusão de longe. Antecipam-se aos fregueses – e, sobretudo, aos guardas de trânsito que, desprevenidos, raramente aparecem. Dá vontade de perguntar por que a polícia não se informa com os camelôs, entregando-lhes o planejamento do trânsito. Por incompatibilidade com o comércio informal não é, ou nem estaria ali, com suas geladeiras de isopor a tiracolo.

Até os assaltantes sabem que, onde há vendedores, a clientela é certa e cativa. Quem atravessa Saracuruna num anoitecer de domingo tem que estar, em princípio, pronto para quase tudo – seja beber água choca, seja receber a visita de um revólver. Mas ninguém parecia preparado para encontrar a Polícia Rodoviária, multando o tráfego no acostamento.

Ali, engarrafar tinha virado um exercício de livre-arbítrio. Tem fé nos mandamentos do Código Nacional de Trânsito? Então, seu lugar é dentro da pista. Não está nem aí para essas coisas que os olhos não vêem? Nesse caso, exerça a prerrogativa de ultrapassar o gargalo pela margem da estrada.

E era isso o que faziam, domingo após domingo, as mais variadas extrações automotivas do brasileiro típico. Carros importados de último tipo. Fuscas decrépitos. Vans lotadas de passageiros. Picapes turbinadas, vindas da praia com pranchas de surfe na caçamba. Camionetes familiares, voltando do sítio, com cidadãos de cabeça branca ao volante. Nessas ocasiões, a distância entre quem manda e quem obedece na sociedade brasileira cabia nos dez centímetros da faixa branca pintada no asfalto, demarcando a rodovia. E era um abismo.

De repente, sem aviso, uma única patrulha subverteu a desordem vigente. A turma do acostamento parou, esperando a multa. A da pista ia passando por ela, devagar e sempre. Ao se cruzarem, os otários e espertos trocavam olhares irônicos, só que dessa vez a direção dos olhares estava invertida. A geração que cresceu no regime militar com ojeriza à repressão sorria para a polícia. E, na mais perfeita bagunça, o domingo ficou muito mais divertido.