No dia 13 de dezembro de 1968, quando vários ministros assinaram o AI-5, uma única voz se levantou contra a atrocidade institucional cometida pelo general Costa e Silva. Foi a de seu vice, Pedro Aleixo. "Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o País; o problema é o guarda da esquina", disse o político mineiro. O alerta não impediu que o decreto fosse assinado, atirando o Brasil num dos períodos mais sombrios de sua história, que será lembrado pela censura, pela repressão política e pela supressão de garantias básicas como o habeas-corpus. Instituída a desordem, alguns guardas da esquina, apoiados por militares da mais alta patente, se transformaram em torturadores profissionais.

Decorridos quase 40 anos, chegou a hora de um saudável acerto de contas com o passado. Quer o ministro Tarso Genro que os crimes executados nos porões da ditadura não sejam mais enquadrados na Lei da Anistia, de 1979, abrindo espaço para a responsabilização penal e civil dos torturadores da ditadura. Apesar da gritaria dos militares, a iniciativa nada tem a ver com revanchismo. Trata-se, tão-somente, de Justiça – aliás, com muito atraso. Países como Chile e Argentina já levaram aos tribunais diversos criminosos fardados. Muitos deles foram condenados e enviados para celas comuns. Numa mensagem ao Parlamento argentino, no ano passado, o ex-presidente Néstor Kirchner, resumiu a história: "Os valentes que torturavam têm medo da Justiça hoje? Onde está a valentia deles agora? Onde está a coragem que tinham?"

Tarso merece elogios por colocar o dedo na ferida. Especialmente porque a punição aos torturadores do passado será pedagógica. Ajudará a desencorajar futuros arbítrios. Nada pior, para uma sociedade, do que o crime sem castigo. Mas Tarso também deveria olhar um pouco mais ao seu redor. Dias atrás, soube-se que a Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, teve acesso indiscriminado ao cadastro telefônico de todos os assinantes. Nessa "grampolândia" nacional, cresce a sensação de que se vive no Brasil sob um Estado policial. O próprio Tarso tem admitido abusos, mas não basta reconhecê-los – também é preciso punir.

O Brasil deve punir os torturadores da ditadura, sem se esquecer dos arbítrios do presente

O ministro, no entanto, tem as mãos amarradas. Sua dificuldade decorre da opção feita pelo governo Lula logo no início do primeiro mandato: a de transformar operações policiais em peças de propaganda política. Os guardas da esquina animaram-se com o enredo, cometeram abusos em série e por muito pouco não causaram uma crise institucional no País. Tarso agora terá de ser coerente. Se quiser punir os torturadores do passado, que também condene o arbítrio que ocorre sob seu próprio nariz.