Afundou junto naquele buraco qualquer esperança que ainda restava na população de ver o Estado brasileiro cumprindo seu papel elementar – aquele que estabelece como missão zelar pelo bem-estar social. De qual bem-estar pode o cidadão brasileiro hoje falar? O poder público, em todas as suas esferas – federal, estadual e municipal –, costuma se comportar nessas situações como aquele sujeito que não tem nada a ver com o pato. No governo de Lula há um pomposo Ministério das Cidades que nem sequer se pronunciou diante da tragédia paulista. O presidente estava em férias e depois rumou para o Equador, emprestou mais dinheiro a outros parceiros latinos e seguiu em encontros diplomáticos protocolares. Lula terá sempre a oportunidade de dizer que o assunto não é com ele, afinal está na jurisprudência do Estado de São Paulo, dirigido, diga-se, pelos adversários tucanos. Mas qualquer chefe de Estado que se preze teria, no mínimo, o senso de correr num movimento de solidariedade às vítimas e de apoio na infra-estrutura necessária para minimizar perdas. Não foi o caso. Como também não o foi quando Minas e diversas outras regiões mergulharam num atoleiro de lama e destroços sem fim, trazidos pelas tradicionais inundações do período. A calamidade brasileira assume contornos perversos quando pessoas são queimadas vivas nos ônibus. No Rio, o tráfico segue a praticar sua vocação de violência, convertendo a “Cidade Maravilhosa” em praça de guerra interminável. Nesse ambiente, qual o real significado da palavra cidadão? Se é apenas aquele sujeito que teima em viver nas cidades, talvez melhor (e mais seguro) seria se ele escolhesse morar nas selvas. Enquanto autoridades ficam se digladiando politicamente, jogando a responsabilidade de lá para cá, dizendo que o problema é da chuva, do solo, do vento ou do Espírito Santo, o cidadão brasileiro vê-se órfão, sem ter a quem e como apelar. Ele não sai mais de casa sem estar seriamente ameaçado. Ele perde o espírito patriótico diante de tamanho descaso e o poder paralelo de milícias brota com viço e ramificações em um espaço que já deveria, há tempos, ter sido ocupado por autoridades responsáveis e determinadas.