Pela primeira vez na França, um partido político abre seus arquivos aos cidadãos. O interesse se torna ainda maior porque não se trata de um partido qualquer, mas do lendário Partido Comunista Francês (PCF), outrora um dos mais poderosos PCs do Ocidente – chegou a ter 30% do eleitorado –, mas também um dos mais stalinistas e subservientes a Moscou. Quase toda a história oficial da organização está, desde julho, disponível ao público e aos historiadores. São mais de 800 metros de documentos desde a fundação do PCF, em 1921, até 1994.

Mas há uma lacuna no período que vai até 1944, porque a maioria dos documentos daquele período foi destruída durante a ocupação nazista da França (1940-1944), provavelmente pelos próprios comunistas na clandestinidade. Esse material foi, em parte, restituído aos franceses, entre 1972 e 1990, pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS). “Mas foi feita uma triagem e os documentos não correspondem inteiramente aos originais que estão em Moscou”, lamenta Frédérick Genevée, responsável pelos arquivos do PCF.

Apesar dessa iniciativa inédita, a glasnost (abertura) do PCF foi parcial. Permanece secreta a maioria dos dossiês da controversa Comissão Central de Controle Político (CCCP), uma espécie de tribunal interno responsável pelos expurgos de militantes que se desviavam da “linha justa” do partido. Mesmo assim, 11 dossiês de grande interesse da CCCP estão disponíveis. Entre eles o processo contra a “célula de Saint-Germain”, que levou, em 1950, à expulsão da escritora Marguerite Duras (1914-1996, autora de O amante e roteirista de Hiroshima mon amour) por “crítica desviante da linha do partido”. Na época, Duras e outros intelectuais começavam a ver com preocupação as práticas de Josef Stálin (ditador soviético entre 1924-1953), denunciavam a pressão da URSS sobre a Europa do Leste e criticavam a submissão canina do PCF ao Kremlin.

“Alguns documentos são reveladores. As gravações das sessões do Comitê Central de fevereiro de 1961, por exemplo, expõem a virulência das críticas do então secretário-geral, Maurice Thorez, contra dois dirigentes do partido, Marcel Servin e Laurent Casanova. São uma pequena amostra dos métodos stalinistas do PCF”, afirma o historiador comunista Roger Martelli. Havia uma fidelidade incondicional à figura de Stálin”, explica. Um exemplo é a transcrição da sessão secreta do XX Congresso do PCUS, em 1956, no qual Nikita Kruchóv, o número 1 do Kremlin, denuncia os crimes de Stálin. Durante anos, o PCF alegou desconhecer o documento, mas os arquivos mostram que a direção comunista não apenas tinha pleno conhecimento do relatório como tentou escamoteá-lo de seus militantes.

Hoje, o PCF é uma pálida sombra do que foi em seus dias de glória. Embora
tenha mantido o nome, abandonou o marxismo-leninismo e bandeiras como
a estatização. Em 2002, ficou com apenas 3,5% do eleitorado.