Engana-se quem pensa que só os investidores e exportadores ficam de olho na cotação do dólar. Os catadores de lixo fazem o mesmo. É que os recicláveis também estão sofrendo com a desvalorização da moeda americana. O alumínio, por exemplo, tem cotação internacional pela London Metals Exchange e vale para o mundo todo. O fato é que, quanto mais o dólar cai, menos dinheiro entra no bolso de quem vive de catar latinhas, garrafas, papel e papelão – fonte de renda para quem não encontra emprego na economia formal. Nos últimos 12 meses, o dólar despencou 25%. Só este ano, a queda chega a 10%. A moeda – que atingiu o valor máximo de R$ 3,20, em 21 de maio do ano passado – fechou na quinta-feira 25 a R$ 2,39. “A queda do dólar favorece as importações, abre espaço para a entrada de produtos vindos de fora e acaba influenciando no preço do material dos catadores”, afirma Clitia Helena Martins, da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, autora de uma tese sobre os catadores de lixo.

Os reflexos da flutuação da moeda americana também podem ser vistos
nas estatísticas do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre),
órgão que reúne os do setor. No início do ano, uma tonelada de latinhas era
vendida a R$ 4,2 mil. Hoje, varia entre R$ 3,5 mil e R$ 3,8 mil. O preço do
papelão caiu de R$ 220 para R$ 180 a tonelada. O plástico, antes a R$ 1,2 mil,
foi para R$ 1,1 mil a tonelada. Já o vidro manteve o valor, vendido até R$ 70 a tonelada. “Se o dólar cai, o valor da sucata vai junto. Os recicláveis sofrem
com o dólar”, explica André Vilhena, diretor executivo da Cempre.

O mercado de reciclagem movimenta R$ 6 bilhões e vem crescendo em média 15% ao ano. Só na indústria, são gerados 50 mil empregos diretos e outros 100 mil indiretos. E sustenta mais de 500 mil famílias País afora. Segundo Vilhena, 11% do resíduo sólido urbano do País (vidro, lata, plástico e papelão) é reciclado, o que representa 5,5 milhões de toneladas. Entre os países que mais reciclam estão Estados Unidos, Japão, Alemanha e Holanda, mas, no quesito latinhas, o Brasil é tricampeão, com a marca de 8,2 bilhões de unidades recicladas. O índice brasileiro alcançou 85%, contra 83% do ex-líder Japão.

Mas nem tudo no setor é festa. Entre os que ganham a vida com reciclagem está Eduardo Ferreira, 39 anos, presidente da cooperativa Copamare, de São Paulo. Com mais 56 cooperados, ele vende cerca de 150 toneladas por mês. “Com o dólar em baixa, o preço do quilo da latinha caiu de R$ 4,50 para R$ 3,20”, conta ele. Pelas contas do economista Júlio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), a perda chega a 25%, igual à queda acumulada do dólar. “Outros setores também estão perdendo como o de vestuário e calçados, que estão reduzindo exportações e demitindo muita gente”, completa o economista.

Carlos Antônio dos Reis, 37 anos, membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis do Estado de São Paulo, também reclama. “A desculpa quando a gente vai vender é o dólar, mas isso é uma estratégia dos empresários, que querem descentralizar a organização dos catadores”, desconfia o catador. “Não é nada disso. Ninguém controla o mercado dessa maneira”, explica Vilhena. Reis não concorda: “O lucro dos empresários não caiu, mas meu rendimento caiu bastante. Antes conseguia tirar R$ 350 por mês e hoje não passa de R$ 280.” Sobrou até para o prefeito de São Paulo. “Além das perdas, agora temos também que enfrentar a perseguição do José Serra”, diz Reis, referindo-se aos cinco depósitos de recicláveis que foram fechados, na região do Bom Retiro, porque estavam funcionando sem licença. A medida, que faz parte do projeto de revitalização do centro da cidade, afetou a vida de 150 catadores que vendiam seus produtos nesses depósitos.