O homem-bomba do Partido Progressista, o deputado José Janene (PR), 50 anos, apontado por Roberto Jefferson como operador do mensalão, vai ser detonado por dentro. Um ex-sócio de sua estreita confiança, o advogado Eduardo Alonso de Oliveira, 45 anos, indiciado, junto com Janene, no escândalo que levou à cassação do ex-prefeito de Londrina Antônio Belinatti, quer contar tudo o que sabe ao Ministério Público e ao Congresso. Coordenador das campanhas de Janene a deputado federal e diretor da empresa de ônibus que o líder do PP possui em Ji-Paraná (RO), Alonso deve destroçar o último pilar de segurança que sustenta o parlamentar. Embora Janene se considere imune às CPIs que proliferam em Brasília, as revelações que Alonso faz ajudam a explicar como o deputado saiu do limbo do PP malufista para a glória iluminada do PT lulista. Alonso conta que Janene montou uma versão municipal do mensalão. E aguça a gula da CPI, ao relatar a incrível história de uma frustrada viagem de três dias a Miami, com um bebê de três meses, para sacar US$ 1 milhão da conta de Janene. Alonso antecipou a ISTOÉ trechos do muito que sabe:

Janene

“O Zé ficou de mandar e não mandou”

A cara, o jeito e o cheiro do mensalão
de Londrina, inspirado e operado por
Janene, segundo Alonso, lembram
muito o bicho que assombra Brasília e
o Congresso. Até uma versão local de
Marcos Valério ilustra a prévia londrinense:

ISTOÉ – Roberto Jefferson diz que
José Janene era o operador do
mensalão. É verdade?
Eduardo Alonso
– Posso garantir que, no PP, quem opera, quem libera, quem manda e quem vale ali dentro é o Janene.

ISTOÉ – Se o mensalão existe e chegou
ao PP, passou pela mão de Janene?
Alonso
– Janene sempre teve este hábito
de bancar político.

ISTOÉ – Havia mensalão em Londrina?
Alonso
– Havia uma conversa muito forte. Logo que o Antônio Belinatti assumiu
a prefeitura em 1997, fez um acordo com os vereadores para ter o domínio da bancada. Ele teria um número X de cargos para cada vereador. Como o Ministério Público foi para cima e exigiu demissão de todo mundo, o Janene assumiu o compromisso de controlar a bancada de vereadores. E Janene criou o mecanismo de compensação financeira.

ISTOÉ – Como era?
Alonso
– Um ou outro vereador ligava, xingando, brabo: “O Zé (Janene) ficou
de mandar e não mandou.”

ISTOÉ – De quanto era a mesada?
Alonso
– Era o equivalente a mais um salário de vereador. Ganhavam R$ 5 mil
de proventos e outros R$ 5 mil por fora.

ISTOÉ – Janene era o quê?
Alonso
– Ele era deputado federal e presidente do PP do Paraná. Eu era
presidente municipal. A gente tinha intimidade maior com um ou outro vereador
e alguns pediam: “Fala com teu pai, aí, tô precisando.” O número era o suficiente para dar a maioria ao prefeito. Não sei se eram dez ou 11 dos 21 vereadores.
Não precisava disso. Afinal, existiam os vereadores que eram ligadíssimos
ao Belinatti, sem mensalão.

ISTOÉ – Como ele era pago?
Alonso
– Era pago em envelopes da própria Câmara Municipal. Pelo que
eles falavam, era grana viva.

ISTOÉ – E de onde vinha a grana?
Alonso
– Só o Belinatti e o Janene podem responder isso. Talvez nem o Belinatti saiba de onde vinha. Isso mostra também o poder do Janene sobre o Belinatti. Não era a Câmara do prefeito, era a Câmara do Janene.

ISTOÉ – E o Belinatti conseguiu governar?
Alonso
– Só não foi ao final do mandato porque, diante da intervenção violenta
do Ministério Público, num caso de corrupção que virou escândalo nacional, ele acabou sendo cassado.

ISTOÉ – Londrina acabou antecipando o esquema de Brasília?
Alonso
– Tudo o que acontece hoje em Brasília tem semelhanças com o que aconteceu em Londrina. Veja esta questão do publicitário Marcos Valério, que
fez empréstimo para o PT nacional. O prefeito de Londrina estava devendo dinheiro de campanha em bancos e também chamou um publicitário, Waurides Brevilheri
Jr, que assumiu este encargo no Banestado para poder justificar o caixa. Waurides recusou e denunciou ao MP, dois anos depois. O secretário municipal da Fazenda
e o diretor da Sercomtel (companhia telefônica da cidade) eram os contratantes
da operação. Waurides diz que foi chamado à prefeitura e o gerente do Banestado
já estava lá, com todos os contratos prontos, tudo em nome da empresa dele, tudo certinho, com empréstimo em favor de sua agência, Metrópole, e em nome dos
dois secretários. Eles rasgariam os títulos em nome dos secretários e substituiriam pelos títulos da agência.

ISTOÉ – A idéia era fazer caixa?
Alonso
– O plano era usar o dinheiro na campanha. Igualzinho ao que fizeram em Brasília. Quando a gente vê na tevê, a gente lembra tudo, parece um remake.

ISTOÉ – A versão corrente é de que seria uma bancada de 11 dos 21 vereadores ganhando um mensalão de R$ 5 mil. E o mentor seria Janene.
Alonso
– Eu sei por ouvir dizer. E por ouvir dizer quem recebia.

ISTOÉ – Por que começou o processo de mesada para vereador?
Alonso
– Acho que a necessidade foi a mãe da invenção. Em vários casos, os funcionários não trabalhavam, só davam o nome e o dinheirinho para os vereadores. Era preciso filiar, colocar o funcionário, pagar o funcionário e mandar para o vereador. Só que, em vez de fazer a arrecadação via funcionário, num certo momento, não sei qual, o Janene passou a arrecadar. Era público e notório que quem controlava a Câmara de Londrina era o Janene.

 

Viagem

“Não pode, não aceito, não quero”

Nem o sofisticado esquema de segurança dos Estados Unidos resistiu ao charme de Janene. Ele arrancou, num passe de mágica, visto para Miami para cinco pessoas – uma delas um bebê – que não passaram perto do consulado. O saque
de US$ 6 milhões acabou frustrado.

ISTOÉ – E a viagem para os Estados Unidos?
Alonso
– Em 1998, trabalhei na campanha que reelegeu Janene deputado federal. Ele ficou tão feliz que me deu de presente a caminhonete Ford Explorer que usou na campanha. Ele foi o segundo mais votado no Paraná, só atrás do Rafael Greca (PFL). E ofereceu uma viagem a Miami à minha esposa, à esposa dele (Stael Fernanda) e a outra amiga (Favanah Gusso). Um presente só para as mulheres. Minha mulher não queria ir, tinha tido bebê em novembro e não queria viajar em janeiro. “Não, eu pago a passagem para a babá também”, insistiu o Janene. E todo mundo viajou em primeira classe para Miami: as três mulheres, a babá e o bebê. Tiramos os passaportes e, três, quatro dias depois, o Janene nos devolveu com os vistos – até para o bebê de três meses e a babá, uma moça de uns 20 anos, sem patrimônio, algo que sempre desperta as suspeitas da alfândega americana. Os vistos foram concedidos sem que minha mulher, a babá e o bebê tivessem posto os pés num consulado americano. Não sei como o Janene conseguiu isso.

ISTOÉ – E daí?
Alonso
– Viajaram e no dia seguinte minha mulher ligou de lá, muito nervosa: “Quero voltar, quero voltar.” Eu estava no interior do Paraná e falei ao celular com ela. “Eu vou embora, preciso ir embora, não agüento mais”, ela dizia. A passagem era para uma estadia mínima de 14 dias. Um dia depois do desembarque em Miami, Stael Fernanda disse que não tinham dinheiro, que o Janene tinha feito uma remessa no nome de minha mulher, para ser recebida numa casa de câmbio. “Não tem problema”, disse ela. “Quanto é que vou sacar?” A mulher do Janene respondeu: “US$ 1 milhão.” Minha mulher levou um susto: “Não, não pode, não aceito, não quero, não quero.” Um verdadeiro presente de grego. Viagenzinha cara, hein? Favanah, que dividia o quarto de hotel com a Fernanda, confidenciou para a minha mulher: “Elaine, te trouxeram pra cá por malandragem, só pra trazer o dinheiro no teu nome.”

ISTOÉ – Haveria outras remessas?
Alonso
– Favanah explicou: “Olha, Elaine, fizeram uma armação. Vão mandar US$ 1 milhão hoje e está acertado que vão mandar mais US$ 5 milhões amanhã.” Elaine ficou apavorada e embarcou de volta no dia seguinte. Não saiu do hotel nos três dias que ficou em Miami. Não sei onde se hospedaram. O hotel foi pago com o cartão de crédito da Stael Fernanda. Se quebrar o sigilo do cartão, vai aparecer o nome.

ISTOÉ – E como reagiu a mulher de Janene, diante da recusa de Elaine?
Alonso
– A Fernanda ficou agressiva com ela. “Pô, você ganha tudo isso, a gente
te dá a passagem e você não pode fazer um favorzinho de sacar US$ 1 milhão
para nós?” O clima ficou pesado.

ISTOÉ – A mulher de Janene voltou junto?
Alonso
– Voltou. Ela podia ter ficado lá, passeando. Se voltou, é porque a missão
não deu certo. Não era uma viagem de passeio.