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O presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, imaginou que seria um passeio. Enquanto o mundo acompanhava a abertura da Olimpíada em Pequim, tropas despachadas por ele invadiram de surpresa a Ossétia do Sul, encrave de maioria russa que luta por sua autonomia desde o desmantelamento da União Soviética, em 1990. O plano de Saakashvili era incorporar a Ossétia ao território da Geórgia de forma definitiva. Esqueceu de calcular a reação da Rússia. O antigo império já não se conformava com o fato de Saakashvili, alinhadíssimo com os Estados Unidos, estar articulando a entrada de seu país na Otan, a organização militar do Ocidente. Muito menos iria tolerar a invasão. Sem nenhum vacilo, a Rússia desfechou um contra-ataque que incluiu bombardeios aéreos e ocupação de pontos estratégicos da Geórgia. Seis dias depois, um cessar-fogo promovido pela União Européia diminuiu, mas não pôs fim às hostilidades. O confronto, que segundo organizações internacionais fez cerca de duas mil vítimas e 100 mil refugiados, acabou adquirindo dimensão mundial.

i56793.jpg“Não estamos em 1968. A Rússia não pode fazer o que quiser, invadir um país e sair impune”, declarou na quarta-feira 13 a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, na quarta- feira 13, referindo-se à ocupação da Tchecoslováquia (atual República Tcheca) pela antiga União Soviética. Além de falas similares, classificadas como “brandas demais” por Saakashvili, os Estados Unidos se comprometeram a enviar uma operação de assistência humanitária. O presidente da Geórgia chegou a divulgar que a ação representaria uma “presença militar americana” em seu país, envolvendo o controle de portos e aeroportos locais, mas o Pentágono negou essa versão. Na prática, a Geórgia não obteve o apoio bélico que desejava do governo George W. Bush, embora o conflito deflagrado pela invasão da Ossétia do Sul tenha aumentado as tensões entre Estados Unidos e Rússia.

A Rússia, por sua vez, conseguiu com o confronto marcar posição em uma área de influência historicamente sua e sobre a qual vinha perdendo terreno nos últimos anos. Diversos países membros do antigo Pacto de Varsóvia, como Polônia, Hungria e República Tcheca, aderiram à Otan. Como se não bastasse, os Estados Unidos anunciaram a instalação de um escudo antimísseis na Polônia e na República Tcheca. Incomodada pelo avanço americano, a Rússia aproveitou para demonstrar seu poderio bélico tão logo Saakashvili iniciou a invasão. “O agressor foi punido, sofrendo grandes perdas”, resumiu o presidente Dmitri Medvedev ao aceitar o pacto de paz mediado pela União Européia. No dia seguinte, inspirado em seu mentor e primeiro-ministro Vladimir Putin, mandou unidades de infantaria demolir bases militares abandonadas na cidade georgiana de Gori, a 30 quilômetros de Ossétia do Sul. Deixou mais do que evidente seu objetivo militar: expulsar as forças georgianas da Ossétia e da Abkházia, outra região separatista do país, e anular o poder de fogo de Saakashvili contra os encraves.

i56794.jpgForças russas de paz estão estacionadas na Ossétia do Sul e na Abkházia desde 1992, quando um acordo com a Geórgia selou a autonomia das duas regiões. No momento do ataque, 588 homens da tropa de paz se encontravam na Ossétia do Sul, número expressivo em relação ao total de habitantes locais, cerca de 70 mil pessoas. Com o equivalente a 18% do território de Sergipe, o menor Estado brasileiro, a Ossétia tem posição estratégica na região do Cáucaso. O mesmo vale para a Geórgia, que é atravessada pelo oleoduto Baku-Tbilisi- Ceyhan, o BTC, único a levar petróleo do Azerbaijão para a Europa sem passar pela Rússia. Em artigo publicado no jornal Washington Post, Mikhail Gorbatchóv, dono de um Prêmio Nobel da Paz e último presidente da extinta União Soviética, afirmou que os Estados Unidos cometeram um erro grosseiro ao considerar o Cáucaso, a milhares de quilômetros do continente americano, sua esfera de interesse. “Naturalmente a paz no Cáucaso é de interesse de todos, mas é bom senso reconhecer que a Rússia está enraizada ali por geografia e séculos de história comuns”, escreveu ele. “A Rússia não busca expansão territorial, mas legitimar seus interesses na região.” Na prática, Gorbatchóv atestou a vitória de Putin e de seus seguidores. O detalhe fundamental é que Gorbatchóv não nutre a menor simpatia pelos atuais dirigentes da Rússia.

 

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