i56822.jpgÀ galeria dos grandes desbravadores dos mares, na qual figuram nomes ilustres como Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Américo Vespúcio, deve-se acrescentar uma nova personagem: a nobre espanhola María de Sanabria, primeira mulher a capitanear uma esquadra com três embarcações – um navio e duas caravelas. Ela partiu em 1550 do litoral da Espanha e chegou à costa brasileira um ano depois. Essa maravilhosa aventura é narrada pelo historiador e antropólogo ítalouruguaio Diego Bracco, que reconstituiu a trajetória da pouco conhecida viajante no livro María de Sanabria (Record, 270 págs., R$ 39), no qual combina fatos reais a uma boa dose de romance: “O objetivo é dar voz e reconstruir o perfil de uma mulher do século XVI que assumiu riscos, os enfrentou bravamente e passou à história quase sem registros”.

Bracco se dedica há anos ao estudo da cultura indígena na região do rio da Prata (que no passado abrangia o que hoje corresponde ao Paraguai, Uruguai, a partes do Brasil e da Argentina) e por meio dessas pesquisas encontrou em escritos da época referências a uma “jovem e corajosa filha da nobreza espanhola que comandou a esquadra Sanabria, lendária expedição de mulheres européias”. A maior parte das informações contidas no livro é proveniente do Arquivo Geral das Índias de Sevilha e do Arquivo Geral da Nação Argentina. Consta que a coroa espanhola queria enviar mulheres européias ao Novo Mundo para acabar com o que vinha sendo chamado de o Paraíso de Maomé na Terra (a denominação referia-se às 72 donzelas concedidas àqueles que morressem merecedores da graça de Alá). No rio da Prata, existiam espanhóis mantendo até 80 índias sob seu poder e a corte espanhola temia que o aumento da miscigenação colocasse em risco o controle da região.

Ficou decidido que uma expedição traria mulheres européias ao Novo Mundo para que se casassem com os colonizadores espanhóis. A missão cabia ao governador Álvar Nuñez Cabeza de Vaca que retornara à Espanha após ser afastado da função – ele quase foi morto tentando conter os abusos cometidos pelos europeus na região. Cabeza de Vaca foi um aventureiro famoso e admirado e existiam rumores de que ele achara um grande tesouro em terras brasileiras. O novo governador nomeado com grandes privilégios chamava- se Juan de Sanabria, o violento e ambicioso pai de María. Mas ele morreu em circunstâncias misteriosas pouco depois de receber a incumbência e foi sua viúva, Mencía, e a filha, María, que oficialmente passaram a ser responsáveis pela expedição e também beneficiárias de seus privilégios. María, então, se arma de coragem e vai a Cabeza de Vaca em busca de conselhos e parceria – eles travam uma boa amizade e o oficial usará de sua influência para ajudar a sua jovem amiga.

A empreitada não intimidou María que, para se proteger, se cercou de mulheres “que foram capazes de passar por cima de todas as leis humanas por uma causa justa”. Eram jovens que haviam cometido crimes (assassinas de pais, maridos e agressores) e estavam dispostas a serem mortas se capturadas – não tinham nada a perder. María acreditava que poderia contar com a lealdade dessas mulheres, já que estava lhes proporcionando uma oportunidade de conquistar a liberdade. E foi dessa forma que essa nobre espanhola formou uma legião de companheiras que embarcou com destino ao Novo Mundo. Ela assumiu o comando de três embarcações como capitã, teve de enfrentar um ataque de corsários franceses que pilharam quase todo os mantimentos a bordo e ainda assim preservou o respeito da tripulação que também era composta por homens. Teve uma boa ajuda do marinheiro alemão Hans Staden, que se tornou o seu fiel escudeiro em toda a travessia e também seu amante – uma licença histórica do autor, já que não existem provas definitivas desse romance. María chegou sã e salva a Santa Catarina, depois a Assunção do Paraguai e se casou duas vezes. “Devo ser o general que conduz a nau da sombra a um porto seguro”, teria escrito ela em seu diário, logo no início da travessia. María foi, enfim, a mais bem-sucedida marinheira de primeira viagem de todos os tempos.