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FIM
Joanna era uma garota saudável que adorava a Branca de Neve. Foi enterrada com sua fantasia favorita

“Toda mãe sonha ver o nome do filho em um diploma. Infelizmente, eu vi o nome da minha filhinha num atestado de óbito.” As palavras, entremeadas por choro, saem da boca de Cristiane Cardoso Marcenal, mãe de Joanna Marcenal Marins, que morreu na sexta-feira 13 de causa ainda não definida (o laudo ficará pronto em um mês, aproximadamente) e com o corpo cheio de escoriações, queimadura e cortes. A mãe chora pela perda da filha, de 5 anos, e pelo futuro que nunca virá. “Não vamos comemorar sua formatura, não teremos o prazer de brincar na neve, como ela tanto queria, não terei netos dela. Não sei como vou conseguir continuar vivendo”, diz Cristiane, muito emocionada. A garotinha que calçava sapatinhos cobertos por paetês e dormia em uma cama com dorsel feito pela avó materna para que se sentisse uma princesa, foi enterrada com seu vestidinho preferido, o de Branca de Neve. “Fiz questão de vestir minha filha com a roupinha que mais amava”, diz a mãe, destroçada diante da irreversibilidade da morte.

Agora, Joanna virou um processo na Justiça, já com mais de 200 páginas. Está em apuração se ela sofreu maus-tratos enquanto estava sob a guarda paterna, a causa da morte e de quem é a responsabilidade – entre pai, mãe e Poder Judiciário. A menina foi a parte mais fraca da briga de gente grande à sua volta. E pagou com a vida por isso. Sua curta história envolve animosidade entre os pais, boletins de ocorrência policial por espancamento entre o pai biológico e a madrasta e também da mãe contra o pai biológico por maus-tratos contra a própria filha. A menina ainda teve mais uma infelicidade: ao ser levada desacordada para a emergência do hospital RioMar, na Barra da Tijuca, no dia 19 de julho, foi atendida por um falso médico, o estudante de medicina Alex Sandro de Cunha Souza, 33 anos, atualmente foragido. Liberada, ela passou mal de novo e, quando voltou à outra emergência, de outro hospital, já mergulhara no coma que durou quase um mês.

As desavenças em torno de Joanna começaram antes de seu nascimento. Seus pais, o advogado e técnico judiciário André Rodrigues Marins, 41 anos, e a médica Cristiane, 37, são evangélicos e se conheceram em 2003 numa Igreja Batista, no Recreio, bairro no qual ambos moravam, no Rio de Janeiro. Namoraram por aproximadamente seis meses. Quando o relacionamento acabou, Cristiane estava grávida, mas não sabia. O casal nunca chegou a viver junto. André não gostou de saber que seria pai. Cristiane resolveu que assumiria sozinha a criança. Nessa época, André mostrou seu temperamento explosivo e pela primeira vez bateu em Cristiane. “Ele me ligou, disse que ia se matar, falou um monte de coisas, pediu para eu ir à casa dele. Fui. Quando cheguei lá, me surrou, apesar de eu estar grávida.” Procurado por ISTOÉ, André não respondeu às ligações. Seu advogado, Luiz Guilherme Vieira, disse que ninguém da parte dele falaria sobre o caso. E arrematou: “O André sofreu muito com o processo de internação e agora com o luto pela morte da menina.”

Quando a garota nasceu, em outubro de 2004, a mãe avisou-o e ele foi conhecê-la. Nessa época, ele já estava casado com a atual mulher, Vanessa Maia Furtado, então grávida do primeiro filho. Nos dois primeiros anos de vida, Joanna praticamente não viu o pai. Em março de 2007, Cristiane se casou com Ricardo Tostes, 46 anos, pastor da igreja Batista, e André reapareceu logo depois. “Ele pegava a filha num fim de semana, sumia três, aparecia depois”, afirma a mãe. Até que, em 14 de outubro do mesmo ano, aconteceu um fato novo – e policial.
 

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DOR
Cristiane, a mãe, e Ricardo, o padrasto: devastados com a perda e revoltados com a Justiça

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Neste dia, Joanna voltou da casa de André machucada, segundo a mãe, fato comprovado por laudo do Instituto Médico Legal. Primeiro, Cristiane levou-a a um hospital perto de casa, a Casa de Saúde e Maternidade Nossa Senhora de Fátima, em Nova Iguaçu. No prontuário, a médica plantonista sugere que seja feito exame de corpo de delito. Todo o episódio foi documentado na delegacia e levado para a juíza Cláudia Nascimento Vieira, da 1ª Vara de Família de Nova Iguaçu. Ela proibiu a visitação do pai biológico até que se apurasse a suspeita de maus-tratos. Dois meses depois, em janeiro de 2008, devolveu os direitos de visita a André. Mas, segundo depoimentos de conhecidos da família que pedem para não ser identificados, ele novamente sumiu. Ricardo, o padrasto de Joanna, entrou, então, com pedido de adoção e obteve a guarda da menina. André nunca questionou ou reclamou disso. “A Joaninha era como uma filha para mim”, disse Ricardo.

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Em dezembro de 2009, André reapareceu e os enfrentamentos voltaram. Em fevereiro deste ano, ele conseguiu a reversão da guarda, dada pela mesma juíza Cláudia, que também proibiu a mãe de fazer qualquer contato com a menina durante os 90 dias em que ela ficaria com o pai. A juíza baseou-se no laudo das psicólogas Roberta M.N.Ferreira de Carvalho e Vânia Sueli Mafra Aniz, da mesma Vara de Família, alegando alienação parental (quando um dos pais joga o filho contra o outro). Assim, a menina saiu chorando desesperadamente do colo da mãe, e foi entregue ao pai no dia 26 de maio. Foi a última vez que a mãe viu a filha com saúde. Embora André tenha dito que a filha fora entregue com problemas, a babá de Joanna, Maria Aparecida de Andrade Brandão, declarou, em depoimento, que deu “o último banho na menina antes de ser entregue ao pai e que a criança não tinha nenhuma marca no corpo”.

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VIOLÊNCIA
Vanessa, a madrasta, e André, o pai, colecionam episódios de agressão,
devidamente registrados em delegacias
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“Quando vi o laudo das psicólogas, achei que era retaliação porque eu reclamara na Corregedoria que elas tinham me tratado de forma hostil”, diz Cristiane. “Depois, me lembrei que o André dizia ter uma tia promotora e que ela ‘iria dar um jeito’.” André é sobrinho de Maria Helena Biscaia, mulher do ex-deputado federal Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). “Não sei se ele usava o nome deles indevidamente”, diz Cristiane. A mãe se revolta ao questionar o Judiciário: “Não ouviram a Joanna, não ouviram minha família, só os pais dele e a mulher dele.” Isso, apesar de haver boletins policiais relatando a violência de André e Vanessa, a madrasta de Joanna. Num deles, André diz que a mulher tinha quebrado uma cadeira em sua cabeça porque não queria que Joanna fosse para a casa deles. Em outro, Vanessa conta que, ainda grávida, teria levado socos de André. Há também, segundo Cristiane, outro registro policial de agressão de André contra sua primeira mulher, Gleide Abreu Afonso (ex-Marins).

“Essa juíza disse que não tinha nada no processo desses boletins. Me deu nojo, me deu vontade de vomitar”, diz Cristiane, novamente aos prantos. Ela recorda sua última conversa com Joanna. “Eu disse a ela: ‘Filha, a juíza ordenou que você tem que ficar com papai André por 90 dias. Depois, a mamãe pega você de novo, tá?’ Ela disse: “Não chora mais, mamãe. Agora você vai ficar com dois filhinhos só porque ele falou pra mim que não volto mais.” Cristiane tem mais dois filhos do casamento com Ricardo. “Joanna foi vítima do Judiciário. A juíza a tirou de dentro de casa e entregou-a para ser morta”, disse ela.

O resto, todos já sabem. O pai diz que a menina teve crises convulsivas devido a problemas neurológicos. Mas o pediatra da garota, Vanderlei Porto, nega: “A Joanna sempre foi supersaudável e normal. Ela nunca teve convulsão e não tomava remédio anticonvulsivo.” Da mesma forma, a professora da menina, na escola Objetivo, de Campos do Jordão (SP), descarta qualquer distúrbio emocional ou físico. “Ela nunca teve nada. Se tivesse algum problema, não seria possível esconder da escola, onde passava tanto tempo”, disse à ISTOÉ a professora Luciana de Oliveira Santos.

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CRIME
O falso médico Alex Sandro de Cunha Souza, que atendeu Joanna
quando ela chegou desacordada ao hospital e a liberou

A mãe diz ter sido informada pelo delegado Luiz Henrique Marques Pereira, da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), que, no depoimento, André relatou que a filha se autoflagelava. “Tanto que ele pôs luva nela, passou fita crepe na luva e amarrou as mãozinhas na cama para que não se machucasse. Como pôde fazer isso?”, questiona Cristiane. Médica, ela também não consegue aceitar que a filha tenha sido atendida por um falsário. “A Joanna passou pelas mãos de um cara que não era médico. Isso não teria acontecido se o pai tivesse me ligado. Eu teria arrumado um médico decente para cuidar dela”, chora. E reza: “Só Deus para me ajudar a sobreviver agora. Deus e minha família.”
Colaborou Luciani Gomes


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