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Qualquer brasileiro que neste momento esteja se preparando para ser submetido a uma cirurgia carrega outro temor, além da ansiedade que precede as intervenções. Eles têm medo de ser contaminados pela Mycobacterium Massiliense, bactéria responsável por uma epidemia de infecção em hospitais e clínicas nacionais de proporções jamais vistas no mundo. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nos últimos oito anos foram registrados 1.872 casos de contaminação pelo microorganismo e outros 150 estão sob suspeita – números que caracterizam a situação como emergência epidemiológica.

A maior parte deles ocorreu em cirurgias abdominais feitas por videolaparoscopia. Neste gênero, os cirurgiões corrigem o problema introduzindo no corpo do paciente cânulas com microcâmeras para que visualizem o local a ser tratado. Por meio do mesmo orifício eles inserem e manejam os instrumentos cirúrgicos. Porém, um número preocupante de infecções aconteceu em intervenções estéticas, como a lipoaspiração e a injeção de substâncias para atenuar sulcos na pele (preenchimentos). Os principais veículos de contaminação levantados até agora foram as cânulas, instrumentos cirúrgicos e agulhas mal esterilizados.

i56800.jpgA bactéria causa desde feridas até nódulos e necrose. Uma amostra do sofrimento que ela impõe pode ser constatada no relato da bancária Kíssila Sodré, 35 anos, do Espírito Santo. No ano passado ela se submeteu a uma videolaparoscopia para retirada do apêndice. Um mês depois, descobriu que havia sido contaminada. "O abdome ficou muito dolorido e o corte, com secreção", conta. Ela só soube que se tratava da micobactéria após seis meses. Durante esse período, tomou antibióticos. "Hoje sofro as conseqüências do tratamento", lamenta. Ela tem crises de erupções na pele.

Tão triste quanto a situação das vítimas é constatar que o País vive novamente uma epidemia para lá de anunciada. O primeiro sinal de alerta foi dado há três anos, quando um surto ocorreu no Pará, como ISTOÉ noticiou na edição 1853, de abril de 2005. De lá para cá, a bactéria se espalhou como praga. No Rio de Janeiro, mais de 400 pessoas foram infectadas no ano passado. Em Vitória, mais de 200. O administrador Marcus Martins, 42 anos, e a publicitária Fernanda Ferregueti, 24, fazem parte das estatísticas. Marcus foi infectado depois de operação de vesícula. "Tenho nódulos no fígado", conta. Já Fernanda, infectada após cirurgia bariátrica, sofre problemas graves. "Tenho depressão e dores", diz. No Estado capixaba, as cirurgias plásticas foram suspensas até que os hospitais e clínicas apresentem planos de processos de esterilização.

i56801.jpgComo mostram os números, pouco se avançou contra o inimigo de 2001 até hoje. Um dos argumentos da Anvisa é de que reina desconhecimento sobre a bactéria, o que impediria a tomada de ações incisivas. Mas é de se questionar por que mesmo diante de informações mais concretas não houve uma ação rápida. Desde o ano passado, por exemplo, a agência sabia que tipos da bactéria resistiam ao glutaraldeído, desinfetante usado na limpeza do material cirúrgico. "O prudente seria suspender o uso imediato do produto", afirma a pneumologista Margareth Dalcolmo, do Centro Hélio Fraga, no Rio.

Agora, corre-se atrás do prejuízo. Enquanto pacientes suspendem intervenções ou manifestam seu temor aos médicos, as sociedades de Videocirurgia e de Plástica recomendaram aos profissionais que redobrem os cuidados e utilizem a autoclave para esterilização. "São medidas que garantirão mais segurança", afirma José Tarik, presidente da Sociedade de Cirurgia Plástica. E a Anvisa seguiu no mesmo tom – a agência sugeriu a substituição do glutaraldeído por outros métodos, como o uso das autoclaves.