A ocupação de cargos estratégicos do Estado pelo PT, o que cientistas políticos chamam de “aparelhamento”, chegou ao clímax nos últimos meses e alcançou setores estratégicos até então considerados intocáveis pelo próprio Palácio do Planalto. Hoje, áreas que, em tese, deve-riam ser comandadas por pessoas com notório saber e capacidade técnica são gerenciadas por petistas, como é o caso do INSS, do Ibama e da Caixa Econômica Federal. A mais recente dança das cadeiras colocou sob influência petista um setor que havia escapado ileso ao primeiro mandato de Lula, mas, mesmo por isso, era um dos grandes pilares de sustentação do êxito de sua administração: a Secretaria da Receita Federal, responsável pelo formidável crescimento da arrecadação federal, que saltou de R$ 35,7 bilhões em janeiro de 2003, em valores atualizados, para R$ 54,4 bilhões no mês passado.

A voracidade do PT em ocupar espaço na administração federal é claramente demonstrada na radiografia da distribuição de cargos de confiança. Nos últimos dois anos, o governo Lula criou 10.191 novos cargos comissionados, chegando ao número recorde de 31.278 postos de livre provimento, contra 19.943 do governo anterior. Desse total, o PT ocupa nada menos do que 40% dos cargos comissionados DAS- 6, que incluem os secretários-executivos de ministérios, dirigentes de autarquias e fundações e o comando de órgãos ligados à Presidência da República, 14% dos DAS-5 e 22% dos chamados cargos de Natureza Especial (NES), que formam a elite do funcionalismo. Juntos, os demais partidos aliados estão representados em apenas 5% das posições no mesmo nível de hierarquia (DAS-6, DAS-5 e NES) do serviço público. ISTO É baseou-se em dados do Ministério do Planejamento, em levantamento feito pelo deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) e na pesquisa Governo Lula, Contornos Sociais e Políticos da Elite no Poder, realizada pela Fundação Getulio Vargas e coordenada pela cientista política Maria Celina D’Araújo. “O que o governo faz ao aparelhar o Estado é empregar gente em tudo quanto é setor, sem levar em conta o fator eficiência”, critica Madeira.

O líder do PPS na Câmara, deputado Fernando Coruja, faz coro: “A burocracia está sendo preenchida com critérios partidários, o que provoca problemas de gestão.” Sob esse argumento, a oposição questionou, na quarta-feira 13, durante sabatina no Senado, a escolha de Emília Ribeiro para o conselho diretor da Anatel. Sua indicação para a agência é lançada na cota do senador José Sarney (PMDB-AP), com apoio de Renan Calheiros (PMDB-AL), mas atende aos interesses diretos do Planalto, que quer ver aprovada a fusão das teles BrT e Oi pela Anatel. “Em que pesem as boas referências a respeito da indicada, temos que considerar, entretanto, que o currículo ora apresentado não se mostra convincente para atestar de forma inquestionável sua capacitação para o cargo”, diz o relatório do senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).

O Ibama é um claro exemplo de que, para o governo, a afinidade ideológica deve se sobrepor ao conhecimento e à capacidade técnica. O órgão, desde a ascensão de Bazileu Margarido à presidência, se transformou num verdadeiro reduto petista. E continua assim sob o comando de Roberto Messias Franco. O partido ocupa 22 das 28 superintendências estaduais do instituto. Apenas cinco superintendentes podem ser considerados independentes, enquanto um deles, o chefe em Teresina (PI), Romildo Mafra, é da cota do PMDB. O peso do PT é igualmente forte na Caixa Econômica Federal, presidida por Maria Fernanda Coelho, petista de quatro costados que desembarcou na capital federal pelas mãos do ex-ministro da Saúde Humberto Costa. A Funcef, o fundo de pensão da Caixa, que conta com R$ 6 bilhões para investimentos, é comandada por Guilherme Lacerda, outra indicação do PT.

No INSS, mais de 35% das diretorias regionais estão nas mãos da legenda governista. A estrutura foi montada pelo ex-ministro Ricardo Berzoini, atual presidente do PT, e é mantida até hoje. Entre as áreas loteadas pelo partido ainda figura o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), presidido pelo petista e amigo íntimo de Lula, Paulo Okamoto. No segundo mandato, o PT indicou Luiz Fernando Corrêa para dirigir a Polícia Federal. Desde então, sua ação deu margem a acusações de que a PF estaria a serviço do partido e dos interesses do ministro da Justiça, Tarso Genro.

A Receita Federal é a mais nova conquista. Devido às pressões do secretárioexecutivo do Ministério da Fazenda, Nélson Machado, petista de carteirinha, e de militantes ligados ao Sindicato dos Auditores Fiscais (Unafisco), o governo demitiu o secretário Jorge Rachid, funcionário de carreira ligado ao antigo titular da Pasta, Everardo Maciel. Ele estava há mais de cinco anos no cargo. Em seu lugar, assumiu Lina Maria Viei-ra, uma técnica que ocupou cargos políticos no Rio Grande do Norte e desembarca no órgão prometendo mais “harmonia” com o Ministério da Fazenda. Entenda-se harmonia com seus principais padrinhos, o ministro Guido Mantega e o secretárioexecutivo Nélson Machado, que deve ampliar o poder do sindicato dos auditores e promover amplas mudanças em setores de inspeção de portos e aeroportos. Ao assumir a Receita, o PT fechou o cerco sobre os setores estratégicos da administração federal. Falta-lhe apenas a hegemonia no Banco Central. Mas esse é um bastião que o partido só pode atacar depois que Henrique Meirelles deixar o cargo para disputar a eleição de 2010. Ou seja, antes do fim do governo Lula, o BC pode vir a ser do PT.