Para o ministro dos Esportes, o desafio é convencer o mundo de que fazer uma Olimpíada no Brasil é ousado, mas seguro

Em Pequim desde a véspera da abertura dos Jogos Olímpicos, o ministro dos Esportes, Orlando Silva, entrou firme na disputa pela realização da Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro. Na China, ele busca marcar pontos importantes na briga contra Madri (Espanha), Chicago (EUA) e Tóquio (Japão), as cidades adversárias, e fez da Casa Brasil – representação do País em um hotel de luxo – o quartel-general da campanha. “Nosso espaço tem sido mais visitado do que os dos concorrentes”, comemora o ministro. “Até o Juan Samaranch (espanhol, presidente de honra do Comitê Olímpico Internacional) esteve aqui.” Trazer para o Brasil o maior evento esportivo do planeta é uma meta que virou assunto de Estado. Em sua passagem pela China, Luiz Inácio Lula da Silva tratou sobre o tema com outros presidentes e escalou o ministro para coordenar a ofensiva brasileira. Ele ouviu de Lula uma frase que traduz a importância dada a sua tarefa: “Não fizeram aqui nada que não possamos fazer no Brasil.”

Orlando Silva entendeu o recado e na China cumpre uma agenda tão pesada quanto a de Brasília. O ministro divide seu tempo entre os contatos políticos e as arenas esportivas onde os brasileiros estão atuando. Mesmo nas quadras, por vezes o papel de embaixador da campanha se sobrepõe ao de torcedor oficial. Durante a estréia do vôlei masculino contra o Egito, por exemplo, Orlando Silva estava mais empenhado em conquistar o apoio do presidente da Fifa, Joseph Blatter, do que nas cortadas de Giba e companhia. Ele nem mesmo esperou o fim do jogo para deixar o Estádio Nacional e partir para uma reunião de coordenação da campanha. Foi entre esses compromissos que ele recebeu ISTOÉ e concedeu a seguinte entrevista:

ISTOÉ – Não seria melhor o Brasil primeiro investir na preparação de uma equipe olímpica de ponta para depois pensar em sediar uma Olimpíada?
Orlando Silva

São dois lados de uma mesma moeda. Sediar os Jogos Olímpicos é um esforço que vai além do esporte. Serve como plataforma para novos investimentos, gera empregos e cria uma estrutura para a cidade como um todo. Mas, ao mesmo tempo, coloca o esporte no centro da pauta nacional, estimula os esportistas e constrói estruturas modernas que favorecem o desenvolvimento dos atletas. Esses equipamentos permanecem, não vão embora com as Olimpíadas. Veja que as grandes potências olímpicas ou já sediaram ou querem sediar os Jogos.

ISTOÉ – Depois de ver o que está acontecendo na China, o sr. acredita que o Brasil possa ganhar a disputa para sediar uma Olimpíada?
Orlando Silva

Já disputamos três vezes. Duas com a cidade do Rio de Janeiro e uma com a cidade de Brasília. Para valer mesmo foi a disputa pelos Jogos de 2012. Foi uma candidatura mais organizada que mobilizou mais agentes e o governo central. A candidatura atual é fruto do aprendizado dessas outras experiências. Sabemos agora o que deve e o que não deve ser feito. É uma candidatura muito forte.

ISTOÉ – Que motivos podem levar o Rio a vencer essa disputa?
Orlando Silva

É uma candidatura que se assenta em dois pilares. O primeiro é o sucesso de um evento regional, necessário para mostrar à comunidade internacional nossa capacidade de promover algo daquela magnitude. Os Jogos Pan- Americanos (em 2007) envolveram mais de 35 modalidades e mais de cinco mil atletas. A avaliação dos observadores que lá estiveram é a de que os serviços foram eficientes. As instalações foram muito elogiadas e algumas delas têm padrão olímpico. Tudo agradou: transporte, habitação, saúde.

ISTOÉ – Não houve nenhuma objeção?
Orlando Silva

A mim ninguém falou nada contra. Mas há um fator que é evidente. O Pan tem dimensões muito menores do que uma Olimpíada. Aqui em Pequim temos 30 mil jornalistas. No Pan eram dois mil. Mas no Rio tivemos uma plataforma tecnológica para transmissão de dados do mesmo patamar que temos em Pequim. Em termos de tecnologia, muita coisa que está em prática na China foi testada no Pan. Isso é a favor de nossa candidatura.

ISTOÉ – Qual o outro alicerce da candidatura?
Orlando Silva

 Vivemos um momento de enorme projeção internacional do Brasil. A reverência com que o presidente Lula é tratado é impressionante. Mais de 100 chefes de Estado estiveram em Pequim. Onze foram recebidos pelo presidente Hu Jintao, mas a foto que o jornal da China publica é a do Jintao com o Lula. Isso é simbólico. No dia seguinte à abertura dos Jogos Olímpicos, uma das principais reportagens do jornal tem a foto do Lula, frase do Lula e destaque à candidatura do Rio. Isso tudo no jornal que os chineses usam para mandar seus recados ao mundo.

ISTOÉ – Mas o possível apoio da China não tem peso determinante para uma candidatura.
Orlando Silva

Isso não é isolado. O José Ramos Horta (presidente do Timor Leste) disse ao Lula que vai fazer um manifesto dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz a favor da candidatura do Rio. O presidente francês Nicolas Sarkozy afirmou que agora é a hora do Rio de Janeiro. Há um clima de reverência ao Brasil. E isso não se deve só à candidatura. É a economia do País que cresce, é a liderança política do presidente que representa um fator de estabilidade em uma região marcada por instabilidades. Hoje o Brasil é uma referência política de estabilidade democrática, uma liderança positiva que serve de moderador e há ainda o carisma do Lula.

ISTOÉ – Isso tudo é objetivo ou uma percepção pessoal?
Orlando Silva

São fatos concretos. Mas, há também elementos perceptíveis.

ISTOÉ – O que, por exemplo?
Orlando Silva

O que percebo é que o Comitê Olímpico Internacional tem interesse em abrir mais e novos mercados. Os Estados Unidos são um mercado importante e o COI já tem esse mercado. A Europa idem. A China foi um mercado novo que eles agora abriram. Então, nesse contexto, o Brasil é um país novo com uma concentração de jovens enorme e isso pode ser útil ao COI. Percebemos muito que o Comitê Olímpico atua para deixar legados. Na assembléia do COI, por exemplo, foi dito com todas as letras que na percepção deles a Olimpíada na China contribui para a abertura do país ao mundo. E uma Olimpíada no Brasil pode deixar um enorme legado para a juventude.

ISTOÉ – O sr. falou de fatores positivos ao Brasil. Quais são os fatores negativos?
Orlando Silva

Nosso problema central é superar a desconfiança internacional. Temos que provar que somos confiáveis. É preciso romper com a percepção internacional em relação à capacidade de investimentos do Brasil, sobre a oferta de jogos totalmente seguros no País. Estou convencido de que temos capacidade, mas o problema é convencer os outros disso. O Pan ofereceu ao mundo uma fotografia do que pode ser a segurança dos Jogos Olímpicos no Brasil. Não houve nenhum incidente e o crime comum diminuiu. Claro que uma Olimpíada é outra escala, mas teremos também outra operação.

ISTOÉ – O Brasil vai sediar uma Copa do Mundo de Futebol e agora almeja uma Olimpíada. Temos capacidade de investimento para isso?
Orlando Silva

Nessas minhas conversas muitos questionam isso. Mas a Copa só ajuda a alavancar a candidatura olímpica.

ISTOÉ – Como?
Orlando Silva

Um exemplo: o aeroporto do Galeão, no Rio, que é um problema crítico colocado pelo COI, vai ter que ser resolvido já para a Copa. O sistema de transporte de massa também. Para nós, a Copa será um certificado de que os investimentos de infra-estrutura no Rio serão bem avaliados. Isso vai ajudar a reverter as incertezas internacionais. Precisamos fazer com que o COI compreenda que fazer uma Olimpíada no Rio é uma atitude ousada, porém segura. Esse é o desafio.

ISTOÉ – Qual é o valor dos investimentos que o Brasil precisa fazer para sediar uma Olimpíada?
Orlando Silva

Prefiro não falar em nenhum número agora.

ISTOÉ – Por quê?
Orlando Silva

Se eu falar em números agora, vocês publicam e daqui a cinco anos, se esse número não for o mesmo, dirão que houve superfaturamento, ou agora ou lá na frente.

ISTOÉ – O Brasil tem dinheiro para isso?
Orlando Silva

Claro que tem. Vamos fazer investimentos que mais cedo ou mais tarde teriam que ser feitos. Temos de montar um modelo que permita que o Estado invista e que o setor privado também invista. O problema é de prioridade. O Rio de Janeiro é o portal do Brasil. Se nós quisermos incrementar o turismo no País, temos que começar pelo Rio. Recebemos cinco milhões de turistas estrangeiros por ano. Esse é um número muito modesto e não vamos oferecer uma expansão relevante nessa indústria se não nos prepararmos. Precisamos criar uma estratégia para atrair o investidor privado, criar mecanismos de financiamento, e o governo deve priorizar recursos.

ISTOÉ – Para fazer o que fez, a China alterou prioridades, paralisou projetos e obras e retirou dinheiro de várias áreas para concentrar tudo nos Jogos Olímpicos. Em um regime democrático, com um Congresso atuante, isso é possível?
Orlando Silva

Creio que sim. No Brasil temos uma união muito grande em torno desse projeto. O prefeito da cidade do Rio de Janeiro (Cesar Maia), que é do DEM, pode não morrer de amores por mim, que sou do PCdoB. Entretanto, nos afinamos muito com respeito à candidatura. Temos conversado muito com empresários e eles vêem na Olimpíada a chance de o Rio recuperar um protagonismo no País, buscar sua vocação de cidade internacional. Há um sentimento muito forte para isso. Veja que São Paulo, daqui a pouco, terá o dobro de leitos de hotéis do Rio de Janeiro. Isso é inimaginável.

ISTOÉ – A questão da segurança pública não é o calcanhar-de-aquiles da candidatura do Rio?
Orlando Silva

Segurança pública é um tema complexo em qualquer cidade do mundo. Estamos em Pequim. Eles organizaram um evento maravilhoso, as instalações são fantásticas, é um regime centralizado e forte e houve incidente relacionado a segurança pública. A Alemanha fez Olimpíada e teve problemas, em Los Angeles também. Isso é problema comum a todos. Estamos nivelados. O Brasil leva até alguma vantagem relativa, por ser um País sem terrorismo, pacífico. Mas a preparação precisa ser muito rigorosa.

ISTOÉ – Qual a estratégia para convencer os membros do COI?
Orlando Silva

A candidatura tem um aspecto técnico. Nesse sentido, entregaremos um dossiê em fevereiro do ano que vem. Para isso, contratamos consultores internacionais de alto nível.

ISTOÉ – Quem são esses técnicos?
Orlando Silva

É gente muito competente, gente que fez Barcelona, Sydney e Atenas. Estamos bem assessorados e estamos construindo um projeto técnico de alta viabilidade. Hoje nosso projeto é muito mais pé no chão do que na disputa passada. A outra parte da briga é política, muita conversa para sensibilização.

ISTOÉ – O que houve concretamente na disputa da CBF com o Comitê Olímpico em relação à camisa da Seleção Brasileira de Futebol (as seleções olímpicas usam a camisa com a bandeira do Brasil e os arcos olímpicos e são patrocinadas pela Olympikus. No futebol, o contrato é com a Nike e a camisa traz o escudo da CBF. Pelo regulamento, isso não pode, mas nos anos anteriores se fez vista grossa. No final, usaram a camisa da Nike, mas sem os símbolos da CBF e também sem a bandeira do Brasil)?
Orlando Silva

A CBF foi muito correta. Havia uma insatisfação muito grande dos atletas. Entrei para cumprimentar a equipe feminina e a Tânia Maranhão (capitã do time) disse que as jogadoras não concordavam em usar outra camisa. Respondi que não propus nada e expliquei que a carta olímpica exige que se use apenas a bandeira do país e o símbolo olímpico. Mas havia um nítido desconforto. A CBF atendeu o pedido do Comitê Olímpico Brasileiro.

ISTOÉ – Isso já não era sabido antes de a delegação brasileira deixar o País?Não foi uma queda-de-braço desgastante?
Orlando Silva

O futebol, pelo peso que tem no mundo, tem uma dinâmica diferente das outras modalidades. Outras seleções continuam disputando com uniformes diferentes. A Argentina, por exemplo, disputou o segundo jogo com o uniforme de sua federação. A maior parte dos países veio com essa disposição. Mas a CBF foi muito correta.

ISTOÉ – Não houve um acordo de patrocinadores? Afinal, como é que a Nike (que patrocina a CBF e não o COB) providenciou à seleção novas camisas em questão de horas?
Orlando Silva

Provavelmente o fornecedor da seleção foi ágil.

ISTOÉ – O que mais o surpreendeu em Pequim?
Orlando Silva

Tudo é muito eficiente e os serviços funcionam. Mas, como diz o presidente Lula, nada que não possamos fazer.