Para afastar de vez o fantasma do apagão, o Brasil terá que se apressar em definir sua política energética. Se a economia brasileira crescesse como esperam o governo e os empresários, e se nesse período as secas fossem severas, em 2008 haveria grande risco de faltar energia. A estratégia de geração elétrica e, sobretudo, o futuro da energia nuclear serão os principais temas do X Congresso Brasileiro de Energia, que acontece esta semana, no Rio de Janeiro, com a presença dos mais importantes nomes do setor.

O evento vem a calhar, já que o País assiste a uma polêmica que por pouco não respinga em sua posição no mercado externo: as inspeções que três fiscais da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) fizeram na fábrica de enriquecimento de urânio da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Localizada em Resende, a 146 quilômetros do Rio, ela é a única no País capaz de enriquecer urânio, o combustível usado nas usinas nucleares de Angra dos Reis, no litoral fluminense.

A discussão que se arrasta há meses é em torno da permissão – ou não – para que os técnicos da agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) tenham acesso irrestrito à tecnologia nacional, 25% mais eficiente do que a usada nos EUA e na França. A solução foi um acordo a meio termo. Os fiscais da agência tiveram acesso às ultracentrífugas, como reivindicavam, mas não chegaram tão perto como gostariam, já que foi colocado um anteparo entre o maquinário e os visitantes. O Brasil permitiu a visualização de tubos e conexões, que, segundo os técnicos, seriam suficientes para provar que não há desvio de material para fabricação de armas nucleares e protegeriam o segredo do projeto nacional. O veredicto da AIEA sai em um mês. E uma nova conversa entre o governo e a agência deve ocorrer no dia 29, mas os otimistas dão como quase encerrado o impasse.

Resta agora negociar com a agência as visitas à indústria sem aviso prévio,  sua nova exigência. A pressão que a  AIEA fez sobre o Brasil para conhecer  em detalhes a indústria fluminense veio travestida de uma suposta dúvida quanto aos fins que o País daria ao combustível nuclear. A imprensa internacional sugeriu que, caso não permitisse a inspeção, o Brasil estaria no mesmo patamar que os países do chamado “eixo do mal”. O físico nuclear José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente de São Paulo, concorda: “Negar acesso à fábrica de Resende colocaria o Brasil na posição da Coréia do Norte e do Irã, que aliás, é signatário do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares).” Goldemberg chama de “paranóia” o temor do governo em exibir suas centrífugas. “A reação do governo foi se enrolar na bandeira”, resume.

Os críticos dizem que tudo não passa de falsa polêmica. “O Brasil seguiu à  risca os acordos internacionais. O interesse da agência é outro”, alerta Aquilino Senra, professor titular de energia nuclear na pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). “A energia nuclear movimenta US$ 10 bilhões ao ano e não é interessante que o Brasil enriqueça urânio”, diz Senra. Nem todos concordam em tratar como prioritária a geração nuclear. “A construção das hidrelétricas de Belo Monte e Rio Madeira são mais estratégicas porque são abundantes e mais baratas, além de abastecer o País através de um sistema interligado”, diz o físico Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás no primeiro ano do governo Lula.

Embora a principal fonte de energia brasileira seja hidrelétrica, há muito o que investir no setor, o que inclui também a energia nuclear. “Todos os países que transformaram suas economias possuem usinas nucleares. O próximo é a China, que pretende construir dez centrais. Se Angra III não sair do papel, não se justifica investir em Resende”, diz Senra.

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Para que a fábrica da INB produza combustível nuclear em escala comercial é necessário mais investimento. A todo vapor, ela supriria a demanda das três usinas de Angra. A terceira central parece seguir a mesma história das duas primeiras, que engoliram milhões de dólares em recursos públicos e estão longe de ser um modelo de eficiência. Desde os anos 1980, o País gasta US$ 20 milhões ao ano só para armazenar os equipamentos que seriam usados na usina de Angra III.


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