Mesmo com as dificuldades do ensino público brasileiro, ainda há professores que, acreditando em si mesmos e no potencial infantil, conseguem realizar ações notáveis. Para valorizar esses profissionais, dois prêmios foram criados em parceria com o Ministério da Educação – o de Qualidade na Educação Infantil, da Fundação Orsa, e o de Incentivo à Educação Fundamental, da Fundação Bunge. O primeiro foi entregue na quinta-feira 21 a um professor de cada Estado e o segundo premiou 20 educadores em 15 de outubro, dia do professor. Além de um incentivo em dinheiro, os homenageados visitaram Brasília e receberam os cumprimentos do ministro Tarso Genro. São pessoas criativas como as paranaenses Leliane Arruda Cachuba, que para resgatar as brincadeiras simples trouxe os pais para a escola, e Jussara do Rócio Heide, que usou como arma pedagógica o entusiasmo das crianças com um circo que passou pela cidade. Ou ainda Soraya Freire de Oliveira, de Manaus (AM), que provocou a curiosidade de seus alunos ao trazer para a classe a leitura de jornais, e Edsalba Peixoto Silva, que desde os 16 anos dá aulas no pequeno município sergipano de Propriá, na divisa de Alagoas. Edsalba não ganhou o prêmio este ano, mas é veterana de edições anteriores, com projetos de educação e cidadania que nasceram na escola e envolveram toda a comunidade.

Leliane, 30 anos, dá aulas para 25 crianças de quatro e cinco e foi premiada com o projeto Brinquedos e Brincadeiras de Nossos Pais. Ela entusiasmou a classe ao levar familiares dos alunos para mostrar como é possível divertir-se com objetos simples do dia-a-dia, como antigamente. “Muitas vezes, os pais se endividam para comprar um brinquedo sofisticado, que não traz a mesma alegria da brincadeira com o próprio filho”, avalia a professora. Já Jussara, 35 anos, que há 15 trabalha com alfabetização, fez malabarismo para prender a atenção da criançada. Para ensinar duas turmas de primeira série a ler e a escrever, usou poemas, refrões, paródias, jogos e mágicas. Fez com as crianças palhaços de material reciclado e montou um espetáculo circense. “As crianças se alfabetizaram e ainda ficaram mais desinibidas”, conta ela. O segredo de Jussara foi dar significado a cada sílaba ensinada. O Circo da Alegria, como foi chamado o projeto, repercutiu tanto que Jussara e seus alunos foram convidados a levá-lo a outras escolas. “Já fizemos quatro apresentações e temos mais três agendadas”, vibra a professora, que já havia sido premiada quando dava aulas na educação infantil.

Abrir os horizontes das crianças foi também o que fez Soraya, 34 anos, que trabalha na Escola Estadual Carvalho Leal, na periferia da capital amazonense. Ao estimular alunos da terceira série do ensino fundamental a analisar jornais, ela não contribuiu apenas para melhorar a expressão oral e escrita dos pequenos. Fez com que eles entendessem suas próprias dificuldades. “O jornal é uma janela para o mundo. As crianças conseguiram relacionar o conteúdo das notícias com o desemprego na família ou a falta de recursos em casa”, conta ela. A inspiração para o projeto Jornal na Escola, uma Questão de Cidadania, Soraya foi buscar no legado do educador Paulo Freire (1921-1997): “Ele dizia que a leitura do mundo precede a da palavra”, cita a professora.

Certamente entender a realidade a sua volta é o primeiro passo para a transformação. Norteada por esse pensamento, Edsalba, 31 anos, ganhou o prêmio de educação infantil em 2002, com o Projeto Fazendo Valer o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), e também outros dois – em 2001 e 2002 – de educação fundamental. Ela se destacou ao criar, na Escola Estadual Graco Cardoso, o trabalho Escola Pública, um Bem Comum. E principalmente por mobilizar toda a cidade com o projeto Velho Chico. “O rio São Francisco faz parte da vida de todas as crianças, por isso criamos uma ação interdisciplinar de preservação”, relata ela. Os 28 alunos da quarta série fizeram pesquisas e entrevistaram pescadores, lavadeiras, barqueiros e turistas. “O projeto ganhou força e estendemos o esforço de conscientização a 11 cidades ribeirinhas”, conta. Edsalba ainda incluiu no projeto outros 36 estudantes com necessidades especiais. “É gratificante ver uma criança discriminada passar a ser o orgulho da família pelo sucesso na escola”, diz.

A professora também encontra tempo para dividir seu entusiasmo. A Fundação Bunge promove em várias partes do País o seminário ReciCriar: a Pedagogia do Possível, no qual professores contemplados com o prêmio divulgam suas experiências. Edsalba já visitou cinco capitais e ensina: “Quando a gente quer fazer alguma coisa, arruma um jeito. Quando não quer, arruma uma desculpa.”

• Os ganhadores do prêmio da educação infantil recebem R$ 3 mil, brinquedos, livros e material didático. Os do ensino fundamental, R$ 5 mil

• A média salarial de professores do ensino básico no Brasil é de R$ 600, com carga horária entre 20 e 40 horas semanais, segundo a pesquisa Retrato da Escola 3, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, de 2003