A eleição presidencial nos Estados Unidos nem precisou começar oficialmente para que o clima de pastelão eleitoral no Estado mais problemático no pleito de 2000, a Flórida, se instalasse com metódica recorrência. A data oficial do pleito é 2 de novembro, mas neste ano foi aberta, em 28 Estados americanos, a possibilidade de que os eleitores votassem antecipadamente, ou pelo correio. A novidade, iniciada na segunda-feira 18 em dez Estados, foi bolada para evitar muitos dos problemas que macularam a eleição de quatro anos atrás e também para tentar reduzir a abstenção – que no último pleito presidencial foi de 49% (o voto não é obrigatório nos EUA). Mas justamente na Flórida, governada por Jeb Bush, irmão do presidente George W. Bush, a coisa começou dando xabu. Muitas falhas no sistema de computadores das novas urnas eletrônicas – que substituíram as antigas perfuradoras de cartão, fonte de vários erros da última eleição –, poucas seções eleitorais e longas filas irritaram eleitores e fizeram analistas temerem a repetição do estrondoso fiasco de 2000. Na época, Bush venceu Gore na Flórida por apenas 537 votos, mas levou todos os delegados (nos EUA, a eleição presidencial é indireta e distrital: o partido que ganha no voto popular fica com todos os delegados do Estado – à exceção de Nebrasca e do Maine, que respeitam a proporcionalidade; são esses delegados que, por sua vez, elegem o presidente). Seguiu-se uma fragorosa batalha de recontagem de votos que adiou a apuração por vários dias e só foi terminar com a intervenção da Suprema Corte de Justiça. Até hoje, não poucos analistas dizem que a eleição de Bush II fez a mais antiga e robusta democracia do globo se rebaixar, no quesito lisura eleitoral, aos níveis de uma república de bananas.

Embananados ficaram agora os eleitores da Flórida ao constatar que várias urnas eletrônicas apresentaram problemas de conexão
com a central de dados da Justiça Eleitoral: o  sistema não confirmava o registro de vários eleitores, que eram obrigados a voltar para casa. Em três condados populosos – Broward, Hillsborough e Orange –, a votação foi interrompida por esse motivo. Já em Miami, Tampa, Saint Petersburg e Fort Lauderdale, os eleitores chegaram a esperar até três horas para votar. As filas ocorrem principalmente porque existem poucos lugares para a votação, situação que levou o próprio governador Jeb Bush e sua secretária de Estado, Glenda Hood, a engrossar o coro dos críticos das regras que reduziu o número de postos de votação.

O pior é que a nuvem de suspeição sobre a Flórida não se limita a esses problemas detectados nas eleições antecipadas. Segundo o colunista Paul Krugman, do New York Times, os republicanos continuam fazendo “esforços descarados”, principalmente no Estado comandado por Jeb Bush, para tentar suprimir votos de democratas e negros. Cita, por exemplo, um caso do condado de Duval, onde os formulários de eleitores rejeitados tinham três vezes mais democratas do que republicanos. “Esses abusos não são aberrações. São o resultado inevitável de uma cultura do Partido Republicano. Essa cultura persistirá até que os eleitores – cuja vontade ainda conta, se expressada com força suficiente – responsabilizarem o partido”, escreveu Krugman.