O episódio ocorreu em Assunção, capital do Paraguai, no dia 30 de abril de 1999, pouco mais de uma semana depois do assassinato do então vice-presidente, Luis María Argaña, supostamente emboscado por três pistoleiros. Dois cidadãos, o comerciante Ruben Dario Arguello Cuevas e o mecânico Isabelino Valdez Colman, prestaram depoimento juramentado à Justiça no qual afirmaram que, no dia do atentado, 23 de março daquele ano, estavam consertando um caminhão quando viram três indivíduos trajando fardas camufladas fugir numa picape depois de terem ateado fogo a um carro. Os dois depoentes jamais tinham visto os tais sujeitos, mas asseguraram às autoridades que os reconheceram depois de tê-los visto em noticiários na tevê, nos quais apareciam como suspeitos de cumplicidade com o atentado: eram o tenente-coronel do Exército Wladimiro Woroniecki, Walter Gamarra e Máximo Osorio. Um dos acusados, Woroniecki, perdeu a patente militar, foi torturado e passou três anos na prisão. Depois de anos de luta, conseguiu provar sua inocência e finalmente acabou absolvido. O coronel agora está processando o Estado e os indivíduos que o acusaram. Talvez por isso, no início de setembro, o comerciante e o mecânico voltaram atrás e declararam em cartório que, na verdade, tinham sido pressionados a assinar os depoimentos incriminando os três suspeitos. Woroniecki foi uma das principais vítimas da maquiavélica engrenagem montada na época por políticos e familiares de Argaña. Como ISTOÉ mostrou, com base em pareceres científicos de legistas brasileiros e argentinos, o vice-presidente já estava morto quando seu carro foi emboscado numa rua no centro de Assunção. Argaña faleceu de morte natural e o atentado foi uma farsa orquestrada pela família e correligionários para atingir seus inimigos políticos, o grupo do então presidente Raúl Cubas Grau e do ex-comandante do Exército general Lino César Oviedo. Segundo admitem agora Arguello e Valdez, no dia do atentado, por volta de nove da manhã, estavam fazendo reparos no caminhão do primeiro quando foram abordados por policiais à paisana para saber se eles tinham testemunhado alguma coisa. ?Não, não vimos nada, lhes dissemos?, lembrou Valdez a ISTOÉ. Oito dias depois disso, os mesmos policiais foram à casa de Arguello, perguntaram por Valdez. Os dois foram ?convidados? a acompanhá-los e, segundo o comerciante, maltratados no trajeto. Em seguida foram levados ao Ministério da Defesa, onde ficaram na presença dos advogados Jorge Bogarín, depois do juiz que investigou o caso Argaña, Oscar Germán Latorre ? na época advogado da família e atualmente procurador-geral do Estado ?, e de Nelson Argaña, filho do vice-presidente e então ministro da Defesa, entre outros. ?Nos perguntaram se tínhamos visto algo e lhes respondemos que não, não tínhamos visto nada?, diz Arguello. Ele conta que, ao ler a declaração, recusou-se a assiná-la, porque nela se acusava explicitamente Woroniecki, Osório e Gamarra de terem incendiado o Fiat Tempra que transportou os pistoleiros que alvejaram Argaña. ?Fomos pressionados por todos os lados?, diz Arguello, ?e não nos restou outra alternativa senão assinar o falso depoimento?. Apesar de todas as evidências, o governo do presidente Nicanor Duarte Frutos ? ele próprio envolvido na armação da farsa do atentado ? até agora tem se recusado a reabrir o caso. O coronel Woroniecki é apenas uma das muitas vítimas do regime argañista que assumiu depois da morte do vice-presidente, mas é certamente o mais indignado e disposto a levar a luta até o fim. Agora, pelo menos, ele começa a ter esperanças de que sua luta não será em vão. ?Quero apenas justiça, mas irei até o fim do mundo para consegui-la?, diz o ex-militar.