Agliberto Lima/AE

FHC, sobre o anunciado apoio do
PSDB ao PT:
"Chegou o meu limite,
vou dar um tranco nisso"

Ora sutis, ora umorosos, alguns movimentos na cena política mostraram com extrema nitidez na semana passada qual é a cara da principal oposição a ser enfrentada pelo governo. Não tem votos, não tem cargos, não controla verbas, não determina nomeações. Mas fala, escreve, confabula, incomoda. Sobretudo, influencia. Decide, muitas vezes. É a cara de Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente de 75 anos que rechaça a aposentadoria e dia e noite ocupa, com flagrante prazer, os muitos espaços que a trôpega oposição brasileira abre a cada momento de decisão. Tem sido assim nos quatro anos desde que deixou o Palácio do Planalto – e foi exatamente o que acabou de acontecer. “Eu não podia permitir que a coisa desandasse”, disse ele a ISTOÉ, justificando sua intervenção dura e contundente sobre a bancada de 66 deputados federais do PSDB. Eles estavam a um passo de apoiar o PT na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Depois de Fernando Henrique se fazer ouvir, por meio de uma nota com apenas três parágrafos, resolveram lançar seu próprio candidato, o tucano Gustavo Fruet (PR). “Eu converso com muita gente, recebo e-mails, sou procurado nas ruas. O que as pessoas querem de nós é que sejamos de oposição, não podemos abandonar nossa missão à primeira dificuldade.”

Que fique claro: nos últimos dias, Fernando Henrique mostrou-se politicamente mais forte e organizado que todos os tucanos juntos. O ex-presidente estava de férias em Maceió, Alagoas, quando ouviu o primeiro sinal para voltar ao trabalho. Vinha do atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que foi procurá-lo à cata do apoio do PSDB. “Disse a ele achar difícil apoiarmos o Arlindo (Chinaglia, do PT), e que tudo caminhava para ficarmos com o próprio Aldo”, reconstitui. Um detalhe: para certificar-se da disposição do candidato, perguntou-lhe se estava mesmo firme para ir até o final da disputa. “Podem até me oferecer um ministério; vou recusar”, garantiu Rebelo. De posse da informação, Fernando Henrique começou a armar o seu jogo. O primeiro tucano que ele procurou, já de volta a São Paulo, foi o governador José Serra. “O que temos a fazer agora é ‘cozinhar o galo’ ”, ensinou o ex-presidente. Ele tentou dizer ao governador que, àquela altura – uns dez dias atrás –, o melhor para os tucanos era esperar que Rebelo e Chinaglia mostrassem mais de suas próprias cartas. À vista dos programas e da força de cada um, aí então os tucanos poderiam se posicionar. “O tempo está a nosso favor”, calculou Fernando Henrique. Serra concordou, mas levantou um ponto que, para ele, é crucial – jamais fortalecer o governador de Minas, Aécio Neves. O governador paulista disse ao amigo Fernando Henrique que temia ver um dos cobiçados cargos na Mesa da Câmara ficar para a indicação de Aécio, no caso de vitória de Rebelo. O ex-presidente o tranqüilizou, dizendo que até isso havia tratado com o candidato, obtendo garantias de que a tal cadeira não estava reservada a ninguém.

Mauricio Lima/AFP/Getty Images

"As pessoas querem de nós
que sejamos oposição "

Empolgado com o papel que ia escrevendo para si mesmo, no dia seguinte à conversa com Serra, Fernando Henrique fez contato com o líder tucano na Câmara, Jutahy Magalhães. “A idéia de ganhar tempo para o partido se manifestar saiu reforçada”, julgou o ex-presidente. Pouco mais tarde, ouviu do deputado Arnaldo Madeira que o ideal seria o partido apoiar um candidato da maior bancada da Câmara, o PMDB. Diante dessas variantes, FH deu uma entrevista em rádio dizendo que os tucanos discutiam, naquele momento, diferentes opções para agir na eleição da Câmara. “O deputado Xico Graziano também me ligou, só que a posição dele era diferente de todos os outros”, diverte-se. Tudo, portanto, corria como ele queria, na direção de esperar o tempo passar. Chegou-se, assim, à sexta-feira 12, quando em seu amplo escritório no Instituto Fernando Henrique Cardoso, no centro de São Paulo, nosso personagem recebia para confabulações o presidente nacional do PFL, Jorge Borhausen. No meio do encontro, não acreditou no que ouvira. Bornhausen informou que o deputado Jutahy acabara de declarar o apoio do PSDB ao candidato do PT, Arlindo Chinaglia. “Não pode ser, você está enganado”, retrucou FH. O pefelista indicou uma prova dos nove. “Se você não acredita, olhe na internet.” E lá estava a aliança tucano-petista.

Roberto Jayme/Agência Estado/AE

Reunião do tucanato: Atendendo
FHC, deputados criam a alternativa
Fruet (de camisa branca, à esq.)

Fazia tempo que não se via um Fernando Henrique tão nervoso como aquele dos minutos seguintes ao pronunciamento de Jutahy. “Não é possível um negócio desses acontecer! Vou dar um tranco nisso”, reagiu, sem freios, no primeiro telefonema a um interlocutor tucano. “Será que nem numa coisa dessas eu sou atendido? Chegou o meu limite”, anunciou. Virou-se então para o computador e escreveu uma nota que, logo na primeira linha, nocauteou o afoito Jutahy. Na expressão de FH, “precipitado”. No pé do texto, um alerta com jeito de puxão de orelhas. “Ainda há tempo para as lideranças pensarem na opinião pública e nos milhões de brasileiros que esperam do PSDB uma posição construtiva, mas de oposição.” A partir da nota, que imediatamente foi parar em sítios de Internet e
no dia seguinte estava na mídia impressa, o ex-presidente passou então a
saborear o seu próprio poder sobre o partido que gravitou oito anos em torno de
seu reinado no Planalto.

A nota provocou uma reunião de deputados tucanos e fez com que, na terça-feira 16, eles se juntassem a deputados de outros partidos e lançassem o deputado Fruet. Menos de três horas depois de ter seu nome ungido, para quem Fruet telefonou? Claro, para o centro da oposição nacional. “Sua candidatura pode ser o caminho para a unidade do PSDB”, devolveu Fernando Henrique, que estava em seu apartamento, no bairro de Higienópolis, quando recebeu os agradecimentos do deputado, às nove horas daquela noite. “Por mais que haja divergências no partido, o presidente está acima delas, é um homem que conhece como ninguém a política nacional”, derramou-se Fruet.

Entre os adversários, a reação é diversa. Um forte sinal de alerta soou dentro do Palácio do Planalto, onde o governo percebeu que a movimentação do ex-presidente pode levar a eleição entre os deputados para o segundo turno. “Fernando Henrique não tem voto na Câmara”, procurou minimizar o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Sabe-se que não é bem assim. Muitos políticos devem favores a FHC. Há, inclusive, uma dezena de parlamentares que fizeram parte de seu Ministério nos oito anos de poder. Essa base vale ao ex-presidente não apenas a influência dentro do Congresso, mas uma posição estratégica na escolha do novo presidente do PSDB, que está em pleno curso. “A nota de Fernando Henrique é uma tentativa de delimitar que vai comandar o partido nos próximos anos”, interpretou o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro.

O próprio FHC jura que não quer a cadeira de Jereissati. “Prefiro ficar aqui mesmo, cumprindo meu papel.” Pode ser. Ele hoje gasta menos de dez minutos para se deslocar de casa para seu confortável instituto no centro de São Paulo. Afirma que as tarefas rotineiras na presidência do partido lhe tomariam muito tempo. Além disso, mesmo sem o cargo ele sabe que irá continuar recebendo a romaria de políticos que o procuram em São Paulo para conselhos e articulações. “O ex-presidente é um dos poucos quadros que pensam a política de forma estratégica, e não no overnight, de olho apenas no dia seguinte”, define o líder do PFL, Rodrigo Maia. “Ele estabelece diagnósticos para o futuro. Não é qualquer um que sabe fazer isso.”