Num dia, o Vioxx. Noutro, o Bextra. Ambos são antiinflamatórios da classe dos inibidores de COX-2. Eles não agridem o estômago, ao contrário do que ocorre com outros antiinflamatórios. O problema é que o primeiro foi tirado do mercado no mês passado pelo próprio laboratório (Merck & Co.) por elevar o risco de males cardiovasculares após uso de longo prazo. O segundo, da Pfizer, ganhou o noticiário na semana passada quando a companhia anunciou que o produto aumenta a chance de infarto e derrame em pessoas que fizeram cirurgias coronarianas. Também foi divulgado que cientistas encaminharam uma carta às autoridades sanitárias dos EUA. Eles dizem que as estatinas, drogas contra o colesterol, estão sendo prescritas com exagero. Idosos estariam tomando o remédio sem necessidade teriam maior risco de câncer.

Para o médico Anthony Wong, chefe do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas de São Paulo, esses episódios alertam para a segurança dos medicamentos. Especialista no tema, ele diz que os profissionais de saúde não atentam como deveriam à farmacovigilância, área encarregada de acompanhar de perto os eventos adversos dos remédios. E que dão pouco valor aos efeitos relatados pelos doentes.

ISTOÉ – O sr. esteve numa reunião dos centros nacionais de farmacovigilância ligados à Organização Mundial de Saúde (OMS). O que discutiram?
Anthony Wong
– Discute-se a segurança dos remédios. Este ano, o Vioxx caiu na pauta sem querer. Sabíamos que os inibidores de COX-2 não protegiam contra trombose (formação de coágulos que prejudicam a circulação sanguínea, podendo causar infarto ou derrame). E sabíamos que havia indício de que poderiam levar à formação de coágulos. Então, veio a decisão da Merck. Concluímos que os centros de farmacovigilância devem exigir que periodicamente as empresas prestem informações dos testes que fazem. A história do Vioxx levantou uma enorme suspeição de que os remédios dessa classe não são seguros. Os médicos estão com esse ponto de interrogação. Devem ser feitos mais questionamentos a respeito da segurança de todos os medicamentos.

ISTOÉ – Muitos pacientes se perguntam se o remédio que tomam é seguro.
Wong
– Com qualquer droga há uma relação risco x benefício. Não há remédio 100% seguro. Tudo é uma questão de quem, para que e por quanto tempo se usa o produto. O que aconteceu com o Vioxx? A Merck fazia um estudo de 24 meses com o remédio tomado todo dia. Até 12 meses, não houve problemas. A partir de 18 meses, surgiu o perigo de coágulos. Porém, a maioria dos usuários não sofreria o risco porque só recorria ao remédio quando sentia dores. Os dados deveriam ser avaliados de forma mais acurada. Após 18 meses de uso, uma pessoa que não teve problemas poderia continuar usando a droga? E se a pessoa não toma diariamente? Isso não está claro.

ISTOÉ – O paciente que se trata com anti-COX-2 não deve suspender o uso?
Wong
– Nenhum paciente deve suspender o uso de um remédio por conta própria. Ele deve consultar o médico, que avaliará riscos e possíveis substitutos.

ISTOÉ – Quais os riscos reais das estatinas?
Wong
– Elas são os melhores remédios contra o colesterol. Mas todas podem ser prejudiciais para a fibra muscular esquelética. O Lipobay, por exemplo, foi tirado do mercado porque causou mortes por rabdomiólise, doença que destrói a musculatura esquelética. Os pacientes que tomam estatina devem alertar o médico se sentirem dor muscular, cansaço ou cãimbras. Pode ser o início de uma lesão muscular grave.

ISTOÉ – E quanto ao câncer?
Wong
– Isso não está provado. As pesquisas estão num estágio inicial. Mas está havendo um abuso. O risco de rabdomiólise e doença muscular pelo uso indiscriminado de estatina é muito maior do que se anuncia. Deve-se ficar atento aos eventos adversos. Mas os médicos dão pouca importância à farmacovigilância. Eles geralmente acreditam que os pacientes “fabricam” sintomas. E relatam muito pouco os efeitos não esperados.