Candidata do PT diz que está sendoinjustiçada pelo eleitor e pela imprensae denuncia manipulação e preconceitode campanha tucana

No auge do inferno astral de sua árdua campanha à reeleição, Marta Suplicy (PT) surge calma na sala de seu comitê, a mesma ocupada por Lula na eleição de 2002. Esperava-se, no início da campanha, que o prédio desse sorte. Não foi o que se viu até agora. Marta recebeu ISTOÉ na tarde da segunda-feira 25, seis dias antes da eleição. Apresenta uma lista de reclamações. Diz que a imprensa a desqualificou. Acusa seu rival, José Serra (PSDB), líder das pesquisas, de manipulação e ironiza o lema de campanha do tucano – “Serra é do bem” – dizendo: “Irmã Dulce não precisava anunciar que era do bem.” Alveja Fernando Henrique: “Não tive um tostão”, diz sobre seus dois primeiros anos de governo, quando FHC era presidente. Seu olhar é fulminante quando se insiste para que comente sobre as críticas de seu ex-marido, o senador Eduardo Suplicy, como a aproximação com Maluf. Marta afirma que está sendo “trucidada” por um apoio que não buscou e diz que mantém tudo o que já disse sobre o ex-prefeito – inclusive o “nefasto”. Recusa-se a analisar os erros de sua campanha e lembra que o coordenador-chefe é Duda Mendonça. Seus olhos azuis ficam mareados quando comenta que se sente injustiçada por não ver seu trabalho reconhecido pelo eleitor. De calça e unhas vermelhas, ela sorri ao posar ao lado de seu pôster de campanha: “Eu adoro o vermelho.”

ISTOÉ – Seu governo é bem avaliado pela população, mas por que isso não se reflete em votos?
Marta Suplicy

Nesses três anos e meio, a imprensa me tratou de forma
madrasta. O Observatório da Imprensa (ONG que analisa os jornais em São Paulo) confirma isto, mostrando que o número de reportagens negativas sobre mim e meu governo é muito maior do que o das reportagens relacionadas ao candidato da oposição. Quando a gente teve a chance de mostrar o que fez, veio uma resposta boa. Podemos melhorar a ponto de vencer.

ISTOÉ – Mas não houve erro de campanha? Não faltou mostrar mais suas realizações?
Marta Suplicy

Não vou discutir estratégia de programa. Isso foi discutido por uma coordenação de campanha, que tem como chefe Duda Mendonça, o marqueteiro contratado pelo partido. E eu não vejo todos os programas. É difícil opinar
porque essas pessoas, quando bolam um programa, uma estratégia, estão baseadas em pesquisas.

ISTOÉ – O apoio de Paulo Maluf não foi um constrangimento?
Marta Suplicy

Não busquei o apoio dele, não autorizei ninguém a conversar com ele. Teve um acordo partidário PP-PT em nível federal e uma iniciativa do Maluf. Me trucidam por uma coisa que não fui buscar. Não sei os motivos dele para esse  apoio. Deve ter algo muito sério com o Serra. O apoio dele é muito mais contra o Serra do que a meu favor.

ISTOÉ – Mas a sra. continua considerando Maluf nefasto?
Marta Suplicy

Não tiro uma vírgula sobre todas as minhas opiniões com relação a Maluf. Quero o apoio dos eleitores dele. Nunca conversei com ele, ao contrário do PSDB, que faz esse tipo de acusação, e foi buscar o apoio de Maluf na campanha de Fernando Henrique. Botou outdoors na cidade inteira, pagos pelo PSDB. Mas não vejo Maluf falando em mim. Ouço ele dizendo que é melhor se ter uma prefeita do partido do presidente, e que não é para votar no Serra. Se for por aí, Maluf tem razão

ISTOÉ – Não foi um grande equívoco político desprezar o apoio do PMDB, recusando Michel Temer (presidente nacional do partido) como seu vice para colocar Rui Falcão?
Marta Suplicy

Queria ter feito o acordo como foi negociado com o presidente municipal do PMDB, Milton Leite. Mas no final o Quércia (Orestes Quércia, presidente estadual) exigiu o cargo de vice. O PTB e o PL também pleiteavam isso. Não haveria motivo para o PMDB, com o peso político que tem na cidade, ser favorecido.

ISTOÉ – Mas Quércia e Temer ? que apoiaram a Luiza Erundina (PSB) no primeiro turno – declaram voto em Serra e estes apoios poderiam ser valiosos hoje para a sra., não?
Marta Suplicy

Estão errando de novo

ISTOÉ – Por que é melhor um prefeito afinado com o presidente e não com o governador, como vem defendendo seu adversário?
Marta Suplicy

Não existe há 18 anos em São Paulo um prefeito alinhado ao presidente. No governo FHC, não foi liberada uma emenda de deputado federal para São Paulo, não foi liberado nenhum recurso de ministério para a cidade e o empréstimo do BNDES não saiu. No governo Lula, saiu o empréstimo e foram liberadas emendas de cinco deputados federais do PT.

ISTOÉ – A parceria petista Marta-Lula tem peso maior do que a tucana Serra-Alckmin?
Marta Suplicy

O apoio do presidente evidentemente tem mais peso porque o Estado não libera verba para a prefeitura. No máximo, o Estado pode ser parceiro. A União tem verba para investimento em projetos, que o presidente analisa e são do interesse do programa do seu partido e fazem parte de seu projeto para o País. Hoje existe por parte do presidente uma boa vontade com o povo de São Paulo, o que não ocorreu no governo FHC. Na época em que Serra era ministro da Saúde tivemos um convênio que estipulava R$ 13 por munícipe e hoje esse valor foi aumentado para R$ 87.

ISTOÉ – Mas o presidente Lula já avisou que o resultado das urnas não vai prejudicar São Paulo…
Marta Suplicy

Não vai existir uma política antidemocrática. Mas, como meu partido é o mesmo do presidente e temos como prioridade melhorar a situação da população mais pobre, há uma grande sintonia de projetos.

ISTOÉ – Serra diz que faltou esforço de sua parte para fazer parceria com o governo Geraldo Alckmin (PSDB).
Marta Suplicy

Não é verdade. O governo do estado não permitiu colocar a experiência do bilhete único nas catracas (do metrô e dos trens). Foi uma atitude eleitoreira. Os tucanos têm uma incapacidade enorme de fazer e uma capacidade gigantesca de criticar. É muita arrogância, muita jactância, muita manipulação de informação e muita pouca coisa concreta.

ISTOÉ – O seu adversário tem criticado a sra. por estar aumentando o déficit, que está acima de R$ 800 milhões.
Marta Suplicy

Vamos estar de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal e tivemos competência para aumentar os recursos para investimento. Não demos o passo maior do que a perna. Planejamos bem, ao contrário do que Serra diz. Só não fizemos muita coisa antes porque FHC não liberou verba do BNDES. Não tivemos um tostão. A diferença hoje é da água para o vinho.

ISTOÉ – José Serra acusou o PT de estar agressivo e azedo.
Marta Suplicy

Nunca vi fazerem o que estão  fazendo comigo nesta campanha. Posar que é do bem é uma coisa, ser do bem é outra. Ele é pseudo do bem. Pessoa do bem não tem necessidade de se colocar como sendo do bem. A Irmã Dulce não precisa anunciar que é do bem.

ISTOÉ – O PT explorou o fato de o vice de Serra, Gilberto Kassab, ter sido secretário de Pitta. Mas o PSDB lembrou que o seu secretário de Planejamento, Jorge Wilheim, também foi ligado a Pitta…
Marta Suplicy

Uma coisa é ter um vice que governa junto e eventualmente pode ocupar o seu lugar. Outra é uma pessoa como Jorge Wilheim, que prestou consultoria ao Kassab na secretaria. A manipulação é constante. Como essa história que ele diz de que há R$ 21 milhões para o meu gabinete. Dentro da verba de gabinete estão vários gastos. Se ele diz que vai rever (a verba para o Gabinete da Prefeita dentro do Orçamento), ele vai acabar com o Carnaval? Vai acabar com o investimento da agência da zona leste? É importante ver o que aconteceu nessa campanha. Serra começou dizendo que o meu governo era péssimo. Falou que não ia fazer os CEUs e veio uma reação da população. Aí ele passou a pegar carona nos meus projetos. Agora, Serra já está sentando na cadeira, como fez Fernando Henrique em 1985, quando se candidatou a prefeito e foi derrotado por Jânio Quadros. Serra já está pensando na possibilidade real de administrar e a sua máscara começou a cair.

ISTOÉ – Que máscara? Dê um exemplo.
Marta Suplicy

Quanto a à taxa de luz ele já está com a mesmíssima proposta que
eu fiz: vai tirar a taxa quando tiver todas as lâmpadas colocadas. Serra também
não está mais dizendo que vai acabar com a taxa de lixo, mas que em 2006 vai
rever a taxa. Ele já está falando de fato o que vai fazer.

ISTOÉ – É a sua campanha mais dura?
Marta Suplicy

É a mais difícil porque os adversários posam como vestais. É uma campanha na qual é mais difícil desmistificar a mentira. Contra Maluf era mais fácil.

ISTOÉ – Como a sra. viu a prisão de seu publicitário Duda Mendonça, que no auge de sua campanha foi para o Rio participar de uma rinha de galos?
Marta Suplicy

Eu não sabia o que Duda estava fazendo. Ele é um bom diretor de
marketing e continua na campanha. Mas achei tudo muito estranho nesta
operação policial. Achei estranho a imprensa estar filmando na hora uma
operação numa rinha que existia há 17 anos.

ISTOÉ – Nesta campanha, pesquisas mostraram que Serra ? que nunca primou pela simpatia ? pareceu mais simpático do que a sra. Por quê?
Marta Suplicy

Fica essa martelação de que sou arrogante, sou isso, sou aquilo. Uma pesquisa (Instituto Datafolha) mostra que 6% do eleitorado tem crítica
pessoal a mim, mas não se sabe o que é. Pode ser porque sou loura, porque me acham arrogante, porque casei de novo, porque sou mãe do Supla (risos). Já o Serra tem 7% de crítica pessoal no eleitorado e os adjetivos mais usados  pelos entrevistados foram cínico e falso. O que se viu foi uma desmistificação  do que quiseram fazer com a minha vida pessoal. E aí que eu digo que a mulher  tem uma vulnerabilidade muito maior…

ISTOÉ – Por que a sra. diz que sofre preconceito? Qual é a diferença entre ser mulher ou homem na política?
Marta Suplicy

A invasão da vida privada é muito maior, como a jornalista que publica reportagem dizendo que eu estava descabelada e com olheiras. Não acho que estava. Podia até estar. Mas ninguém observaria em um homem. Aliás, o Serra tem olheiras o dia inteiro. Mulher bem-sucedida provoca sentimentos diferentes do que homem bem-sucedido. É como se o homem pudesse estar ali e a mulher não.

ISTOÉ – Serra disse que o seu choro foi truque…
Marta Suplicy

Ali ruiu toda a imagem do bem porque eu estava chorando de verdade

ISTOÉ – Por que a sra chorou?
Marta Suplicy

Eu chorei no discurso do Marcelo Déda (prefeito reeleito de Aracaju), quando ele falou que a administração de São Paulo foi referência em sua campanha e na de João Paulo (prefeito reeleito do Recife). Déda disse que não entendia por que eles foram eleitos no primeiro turno e eu não, e no segundo turno eu estava ameaçada de não ser reeleita. Déda falou que isso era uma injustiça e sinal de preconceito e de machismo. Comecei a chorar porque achei que era muito injusto mesmo. São Paulo há muito tempo não tinha um governo tão bom e eu estava tendo dificuldade de ter reconhecimento por causa de uma campanha preconceituosa. Chorei e chorei de verdade. Serra pisou no tomateiro inteiro porque ele disse que o choro era um truque e, no dia seguinte, saiu uma foto desse tamanho com o meu olho chorando. Eu vou levar cebola para chorar? Eu não sou atriz para chorar na hora que eu quero.

ISTOÉ – Como reverter essa vantagem de Serra?
Marta Suplicy

A estratégia é continuar a campanha com garra. Há um troca-troca nos dias que antecedem a eleição, que é mais a meu favor, pelas coisas que fiz. Erundina estava em quarto lugar e ganhou a eleição (para a Prefeitura de São Paulo em 1988).

ISTOÉ – A jornalista Mônica Dallari, namorada do senador Suplicy, fez críticas pessoais à sra.
Marta Suplicy

Não vou comentar nada.

ISTOÉ – O senador criticou o que considerou estilo agressivo de sua campanha e o apoio de Maluf. O que achou?
Marta Suplicy

Olha, esse é um momento de a gente ter muita solidariedade. O partido todo está sendo solidário. E é um momento em que se espera isso…