Livro de cabeceira do diretor pernambucano Heitor Dhalia e do roteirista e escritor paulista Marçal Aquino, Crime e castigo, de Fiodor Dostoievski, era uma espécie de fetiche para os dois. Nina (Nina, Brasil, 2004), que estréia na sexta-feira 5, primeiro longa-metragem de Dhalia, é a concretização de um sonho antigo. A idéia de transformar em mulher o protagonista dostoievskiano Raskolnikov, estudante para quem os homens se dividiam em “extraordinários” e “ordinários”, surgiu do desejo de trabalhar com a atriz Guta Stresser, que conheceu no teatro. A interação entre Guta e a veterana Myriam Muniz, que faz a rabugenta Eulália, senhoria de Nina, é um dos eixos que dão coesão ao trabalho. O outro é a concepção artística.

O clima sombrio da São Petersburgo do século XIX foi mantido na São Paulo atual graças à engenhosidade da produção. Dhalia soube mesclar a direção de arte de Akira Goto e Guta Carvalho e a fotografia de José Roberto Eliezer aos requintados desenhos de Lourenço Mutarelli. Assim, os delírios de Nina têm como pano de fundo o underground paulistano de meninas de rímel e botas pesadas, drogas, degradação e loucura. Dahlia povoou ainda a tela de personagens bizarros, que não caem no caricato graças à atuação do time de feras formado por Wagner Moura, Selton Mello, Matheus Nachtergaele e Renata Sorrah.