Temperamentos antagônicos, os escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade têm suas obras novamente contrapostas com dois lançamentos que chegam às livrarias ainda no calor da comemoração do cinquentenário da morte do segundo, acontecido no dia 22 de outubro. Feira das sextas (Editora Globo, 200 págs., R$ 32), organizado pela pesquisadora Gênese Andrade, traz 24 crônicas inéditas de Oswald publicadas  em jornais entre maio de 1943 e dezembro de 1945. Foram deixadas de fora de Ponta de lança, coletânea publicada pelo próprio escritor em 1945, por razões puramente pessoais. Nunca imaginada pelo autor, que certamente a aprovaria, A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade (Senac São Paulo, 324 págs., R$ 80), de Flávia Camargo Toni, pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade São Paulo (IEB), contém a transcrição das anotações feitas por Mário nas capas dos discos que reuniu entre 1927 e 1945. Tudo devidamente relacionado com o que ele escreveu sobre música. Encartado ao livro vem um CD com 12 faixas escolhidas entre os 161 discos de música brasileira encontrados na coleção de seus 78 rpm, um total de 544.

Os dois participantes mais conhecidos da Semana de Arte Moderna de 1922 compartilham do mesmo sobrenome e nasceram no centro de São Paulo na mesma época. Mas o relacionamento entre eles durou pouco. Conheceram-se em 1917, quando Oswald foi cobrir como repórter uma cerimônia cívica no Conservatório Dramático e Musical ao qual Mário pertencia. O rompimento ocorreu em 1929, justamente quando Oswald estava deixando a pintora Tarsila do Amaral para unir-se à ativista Patrícia Galvão, a Pagu. O livro de Mário confirma sua disciplina e sua capacidade de intuição. Ao analisar, e defender, as recém-inventadas gravações eletrônicas, ele descreve com minúcias a função do que hoje chamamos de diretor e produtor artístico. Já Oswald, cujas Memórias sentimentais de João Miramar serão reeditadas com apresentação de Haroldo de Campos, aparece em crônicas de cunho político abordando assuntos variados, como a defesa de Erico Verissimo, perseguido pela igreja, ou a atualidade de Os sertões, de Euclides da Cunha. O tom polêmico dos escritos, assinados à época do DIP, o famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Getúlio Vargas, justifica o comentário de Jorge Amado, que um dia chamou Oswald de “terrível sarcasta”.